segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Allen Ginsberg,poeta americano



*******
13 de Outubro de 1955.
 Six Gallery de San Francisco - um galpão de oficina usado como local de reunião de artistas alternativos. Allen Ginsberg organiza um recital de poesia. 
O ponto alto da noite acontece quando são lidas as primeiras estrofes de seu poema ''Howl'' (Uivo )

''Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus / arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa...''

A publicação causou enorme escândalo e a censura ordenou a imediata apreensão da obra. Os defensores da primeira emenda da Constituição Americana - “o Congresso não fará nenhuma lei... que restrinja a liberdade de expressão ou de imprensa” - protestaram e um juiz, vendo a importância da obra para sua época, liberou a venda.

A performance foi reprisada em 1956, em escala ampliada, em um auditório em Berkeley.
 Ali estavam Kenneth Rexroth (convidado para ser o mestre de cerimônias da primeira rodada), Michael McClure. Gary Snyder, Robert Duncan, Philip Whalen e Philip Lamantia. Ginsberg, um dos maiores nomes da cultura contemporânea e que completaria 80 anos em 2006, deu o toque final na poesia norte-americana do século XX. Voz solidária a favor das minorias religiosas e étnicas, foi militante da causa homossexual e preso diversas vezes.

Não fazia segredo de suas idéias libertárias e as críticas corrosivas à política americana lhe renderam uma ação do FBI, que o considerou inimigo público e persona non grata ao país.

Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs formaram a “nada santíssima trindade” do movimento beat e consta que, juntos, participaram de ““experiências radicais”.

“Oh,Mother, Oh Mother”


Irwing Allen Ginsberg nasceu em Newark em 3 de junho de 1926, filho de imigrantes esquerdistas radicais judeus, marxistas, nudistas, feministas e todos os “istas” que sugerissem idéias modernas. Louis Ginsberg, o pai, era poeta e professor. A mãe, Naomi Levy Ginsberg, que começou a enlouquecer quando Allen era criança, foi internada numa clínica psiquátrica e lobotomizada.

Quando a mãe morreu, em 1956, o poema “Kaddish” teve que ser escrito em uma hora e meia, pois não havia gente em número adequado para que o rabino lesse a prece tradicional para relembrar os mortos (o kaddish).

Começa com a expressão da perda e do abandono:

"O mother / what have I left out / O mother / what have I forgotten / O mother / farewell". (oh mãe, oh mãe, o que eu deixei de lado, o que eu esqueci, oh mãe... adeus)

Durante a “Grande Depressão”, a família mudou-se para Paterson, onde Ginsberg terminou os estudos de segundo grau e deciciu estudar Direito. Ganhou uma bolsa da Young Men's Hebrew Association of Paterson to Columbia University, onde se decidiu pelo estudo da língua inglesa. Ali conheceu Jack Kerouac e William Burroughs e Neal Cassady, primeiro companheiro. Em 1943, passou a conviver com o colega Lucien Carr.

Na contramão
Nos entremeios da relação, Carr esteve envolvido na investigação de um caso de assassinato e Ginsberg foi suspenso da faculdade por um ano. Antes de se formar, em 1948, precisou trabalhar como porteiro de edifcio, soldador em estaleiros e lavador de pratos.

Também teve a chamada “falta de sorte” ao lidar com o escritor Herbert Huncke: presos após uma blitz de trânsito, o nome de Ginsberg foi encontrado em papéis deixados no carro, que era roubado. Alegando insanidade, a pena foi comutada para 8 meses de internação numa clínica psiquiátrica, onde encontrou Carl Solomon, um discípulo de Artaud, a quem dedicou, mais tarde, “HOWL!

Voltando a Peterson, conheceu o escritor William Carlos Williams e o jovem poeta Gregory Corso. Militou pela liberação das leis sobre drogas e, junto com Timothy O’Leary e Ken Kesey, foi a figura central do movimento psicodélico. Antes de se devotar por completo à poesia, trabalhou na Newsweek, em Nova York e San Francisco (1951-1953). Em San Francisco, alugou um quarto perto da livraria que publicou HOWL, a Lawrence Ferlinghetti’s City Light Press, com prefácio de Williams.

“Howl”, longo poema em prosa, foi um escândalo pela liguagem crua e explícita. Outra obra importante é "Hadda be Playin' on a Jukebox," poema que relata os acontecimentos mais importantes das décadas de 60 e 70 . “Plutonian Ode” é uma crítica ao armamento nuclear.

Pela paz no mundo

Ginsberg foi finalista para o Pulitzer com Cosmopolitan Greetings: Poems 1986-1992. Com a obra marcada pelo modernismo, ritmos e cadências de jazz, fé budista e ascendência judaica, foi a ponte entre os Beats dos anos 50 e Hippies dos anos 60 (na verdade, foi seu pai espiritual), criador da expressão Flower Power e referência na cultura beatnick.
 Mente iluminada, participou do evento Human Be-In, em San Francisco (1967), onde foi um dos que conduziu a multidão cantando o mantra OM, pela paz no mundo.

Foi pioneiro na luta pelos direitos dos homossexuais nos Estados Unidos, sempre defendendo a livre expressão. Sua complacência com certas práticas consideradas chocantes é famosa, assim como sua generosidade.
Ginsberg e Leo Di Caprio

Depois da morte da mãe Ginsberg partiu para uma viagem ao Polo Norte. Foi à India com seu companheiro Peter Orlovsky, viagem inspiradora da coleção “The Change”.
Fez palestras em universidades contra a guerra do Vietnã, marchou contra a C.I.A., contra o xá do Irã e foi preso nos episódios da convenção democrárica em Chicago. Foi deportado de Cuba depois de denunciar o tratamento dado aos homossexuais.

A conversão ao Budismo e a devoção ao guru Chögyam Trungpa mudaram sua vida, sua poesia e seu modo de ver o mundo. Após a morte de Jack Kerouac ajudou a fundar a Kerouac School of Disembodied Poetics no Naropa Institute, uma universidade budista e ensinou lá.

Recebeu prêmios, títulos “Honoris Causa” e criou uma empresa, "Allen Ginsberg Industries", com sede em Nova York, que proporcionava uma espécie de “bolsa de trabalho” para poetas com dificuldades econômicas. 

Até o último momento - 5 de abril de 1997 - morrendo de câncer no fígado, sua preocupação esteve voltada para os semelhantes. 


*************************
O Uivo




Uivo
para Carl Solomon
I
Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela lou- cura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,1
hipsters
2 com cabeça de anjo ansiando pelo antigo con- tato celestial com o dínamo estrelado na maquinaria da noite
,3
que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fu- mando sentados na sobrenatural escuridão dos mise- ráveis apartamentos sem água quente, flutuando so- bre os tetos das cidades contemplando jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevad
o4 e viram anjos maometanos cambaleando iluminados nos telhados das casas de cômodos
,5
que passaram por universidades com olhos frios e ra- diantes alucinando Arkansas e tragédias à luz de Blake entre os estudiosos da guerra,
6que foram expulsos das universidades por serem loucos & publicarem odes obscenas nas janelas do crânio
,7
que se refugiaram em quartos de par
edes de pintura descascada em roupa de baixo queimando seu dinhei- ro em cestos de papel,8 escutando o Terror através da parede,
que foram detidos em
 suas barbas púbicas voltando por Laredo
9 com um cinturão de marijuana para Nova York,


que comeram fogo em hotéis mal pintados ou beberam terebintina em Paradise Alley,
10 morreram ou flagelaram seus torsos noite após noite
com sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília, ál- cool e caralhos e intermináveis orgias,
11
incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem trêmula e clarão na mente pulando nos postes dos pólos
12 de Canadá & Paterson, iluminando completamente o mundo imóvel do Tempo intermediário,
solidez de Peiote dos corredores, aurora de fundo de quin- tal com verdes árvores de cemitério
,13 porre de vinho nos telhados, fachadas de lojas de subúrbio na luz cin- tilante de néon do tráfego na corrida de cabeça feita do prazer, vibrações de sol e lua e árvore no ronco de crepúsculo de inverno de Brooklyn, declamações en- tre latas de lixo e a suave soberana luz da mente,14
que se acorrentaram aos vagões do metrô para o infindável percurso do Battery ao sagrado Bronx de benzedrina até que o barulho das rodas e crianças os trouxesse de volta, trêmulos, a boca arrebentada e o despovoa- do deserto do cérebro esvaziado de qualquer brilho na lúgubre luz do Zoológico,
que afundaram a noite toda na luz submarina de Bickford’s
,15 voltaram à tona e passaram a tarde de cerveja choca no desolado Fuggazi’s escutando o matraquear da catástrofe na vitrola automática de hidrogênio,
que falaram setenta e duas horas sem parar
16 do parque ao apê ao bar ao Hospital Bellevue ao Museu à Pon- te de Brooklyn,
batalhão perdido de debatedores platônicos saltando dos gradis das escadas de emergência dos parapeitos das janelas do Empire State da Lua,

tagarelando, berrando, vomitando, sussurrando fatos e lembranças e anedotas e viagens visuais

17 e choques nos hospitais e prisões e guerras,
intelectos inteiros regurgitados em recordação total com os olhos brilhando por sete dias e noites, carne para a sinagoga jogada à rua,
18
que desapareceram no Zen de Nova Jersey de lugar al- gum
19 deixando um rastro de cartões-postais ambí- guos do Centro Cívico de Atlantic City,
sofrendo suores orientais, pulverizações tangerianas nos ossos
20

 e enxaquecas da China por causa da falta da droga no quarto pobremente mobiliado de Newark,
que deram voltas e voltas à meia-noite no pátio da ferro- via perguntando-se aonde ir e foram, sem deixar co- rações partidos,
que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões de carga, vagões de carga que rumavam ruidosamente pela neve até solitárias fazendas dentro da noite do avô,
que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz, telepatia e bop-cabala pois o Cosmos instintivamente vibrava a seus pés em Kansas,
que passaram solitários pelas ruas de Idaho procurando anjos índios e visionários que eram anjos índios e visionários,
que só acharam que estavam loucos quando Baltimore

21 apareceu em êxtase sobrenatural,
que pularam em limusines com o chinês de Oklahoma no impulso da chuva de inverno na luz das ruas de cidade pequena à meia-noite,
que vaguearam famintos e sós por Houston procurando jazz ou sexo ou rango e seguiram o espanhol brilhante para conversar sobre América e Eternidade
,22 inútil tarefa, e assim embarcaram num navio para a África,
23
 quedesapareceramnosvulcõesdoMéxic

o24 nadadeixan- do além da sombra de suas calças rancheiras e a lava  a cinza da poesia espalhadas pela lareira Chicago,
que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI de barba e bermudas com grandes olhos pacifistas e sen- suais em suas peles morenas, distribuindo folhetos ininteligíveis,
que apagaram cigarros acesos em seus braços protestan- do contra o nevoeiro narcótico de tabaco do Capita- lismo,
que distribuíram panfletos supercomunistas em Union Square, chorando e despindo-se enquanto as sirenes de Los Alamos os afugentavam gemendo mais alto que eles e gemiam pela Wall Street e também gemia a balsa de Staten Island
25
que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos, nus e trêmulos diante da maquinaria de outros es- queletos,
que morderam policiais no pescoço
26 e berraram de prazer nos carros de presos por não terem cometido o
utro crime a não ser sua transação pederástica e tóxica,
que uivaram de joelhos no metrô e foram arrancados do telhado sacudindo genitais e manuscritos,
que se deixaram foder no rabo por motociclistas santifi- cados e urraram de prazer,
que enrabaram e foram enrabados por esses serafins hu- manos, os marinheiros, carícias de amor atlântico e caribeano,
27
que transaram pela manhã e ao cair da tarde em roseirais, na grama de jardins públicos e cemitérios, espalhan- do livremente seu sêmen para quem quisesse vir,
que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar mas acabaram choramingando atrás de um tabique de

banho turco28 onde o anjo loiro e nu veio trespassá-
los com sua espada,
que perderam seus garotos amados para as três megeras do
destino, a megera caolha do dólar heterossexual, a megera caolha que pisca de dentro do ventre e a megera caolha que só sabe ficar plantada sobre sua bunda reta- lhando os dourados fios intelectuais do tear do artesão,
que copularam em êxtase insaciável com uma garrafa de cerveja, uma namorada, um maço de cigarros, uma vela, e caíram da cama e continuaram pelo assoalho e pelo corredor e terminaram desmaiando contra a parede com uma visão da boceta final e acabaram sufocando um derradeiro lampejo de consciência,
que adoçaram as trepadas de um milhão de garotas trê- mulas ao anoitecer, acordaram de olhos vermelhos no dia seguinte mesmo assim prontos para adoçar trepadas na aurora, bundas luminosas nos celeiros e nus no lago,
que foram transar em Colorado numa miríade de carros roubados à noite, N. C.

29 herói secreto destes poe- mas, garanhão e Adônis de 
Denver – prazer ao lem- brar das suas incontáveis trepadas com garotas em terrenos baldios & pátios dos fundos de restaurantes de beira de estrada, raquíticas fileiras de poltronas de cinema, picos de montanha, cavernas ou com es- quálidas garçonetes no familiar levantar de saias so- litário à beira da estrada & especialmente secretos solipsismos de mictórios de postos de gasolina & be- cos da cidade natal também,
que se apagaram em longos filmes sórdidos, foram trans- portados em sonho, acordaram num Manhattan súbi- to e conseguiram voltar com uma impiedosa ressaca de adegas de Tokay e o horror dos sonhos de ferro da TerceiraAvenida
30 &cambalearamatéasagênciasde
desemprego
,31
que caminharam a noite toda com os sapatos cheios de
sangue pelo cais coberto por montões de neve
,32 esperando que uma porta se abrisse no East River dan- do para um quarto cheio de vapor e ópio,
que criaram grandes dramas suicidas nos penhascos de apartamentos do Hudson à luz azul de holofote anti- aéreo da lua & suas cabeças receberão coroas de lou- ro no esquecimento,
que comeram o ensopado de cordeiro da imaginação ou digeriram o caranguejo do fundo lodoso dos rios de Bovery,
33
que choraram diante do romance das ruas com seus car- rinhos de mão cheios de cebola e péssima música,
que ficaram sentados em caixotes respirando a escuri- dão sob a ponte e ergueram-se para construir clavicórdios em seus sótãos,
34
que tossiram num sexto andar do Harlem coroado de cha- mas sob um céu tuberculoso rodeados pelos caixotes de laranja da teologia,
35
que rabiscaram a noite toda deitando e rolando sobre in- vocações sublimes que ao amanhecer amarelado re- velaram-se versos de tagarelice sem sentido,
36
que cozinharam animais apodrecidos, pulmão coração pé rabo borsh
t37 & tortillas sonhando com o puro rei- no vegetal,
que se atiraram sob caminhões de carne em busca de um ovo,
que jogaram seus relógios do telhado
38 fazendo seu lance de aposta pela Eternidade fora do Tempo & des- pertadores caíram nas suas cabeças por todos os dias da década seguinte,

************

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Origem dos símbolos do movimento LGBTQIA+

    A IMAGEM É A MENSAGEM Em 1970, após os acontecimentos de Stonewall, a décima primeira letra do alfabeto grego, Λ (minúscula: λ) ou lambd...