domingo, 28 de março de 2021

Muxes ,mulheres e o terceiro sexo no Istmo de Tehuantepec-México

 Um olhar socioantropológico  

A cineasta Alejandra Islas escreveu o roteiro e dirigiu “Auténticas, Intrépidas Buscadoras del Peligro”, produção mexicana de 2005 com fotografia de Alejandro Quesnel e 105 minutos de duração. 
O filme retrata o dia-a dia e as festas dos muxes - homens travestidos e homossexuais - que vivem na cidade de Juchitán, situada ao sul do estado mexicano de Oaxaca.
( link de um  vídeo a respeito da festa no final do texto!)

Este grupo formou uma associação - com a mesma denominação do título do filme - para proteger seus direitos, combater a homofobia e assegurar o reconhecimento de sua diversidade. 
Mergulhar no universo muxe não sendo gay não foi fácil. Alexandra – ela também intrépida, autêntica e buscadora de perigo - conseguiu ganhar a confiança da comunidade, que costuma ter relação difícil com mulheres desconhecidas e realizar um documentário que circula no roteiro dos festivais,
               
 Cultura Matriarcal 
 
Antigas lendas locais contam que as mulheres juchitecas preparavam uma bebida chamada toloache que apagava completamente o machismo e fazia com que elas dominassem os homens e as atividades comerciais, obtendo sua independência econômica. 
Parece que não foi bem assim. Enquanto os homens trabalhavam nos campos ou em barcos pesqueiros, as mulheres cuidavam do comércio, o que as elevou a uma posição de poder. 

Ao lidar com caixeiros viajantes, forasteiros de passagem, refugiados e imigrantes, as mulheres Juchitecas tomaram contato com diferentes idiomas, culturas e se tornaram auto confiantes ao ponto de implantar uma cultura matriarcal consentida, fortes ao ponto de defender seu território lutando em guerras, sensíveis ao ponto de jamais abrir mão de suas tradições. Em nenhum outro ponto do México e da América Latina desenvolveu-se uma sociedade matriarcal como este fenômeno sociológico que, de longa data,
é consentido e absorvido.

Estas mulheres que trabalham com disposição e obstinação, são vaidosas, gostam de trocar de roupa com freqüência (uma vestimenta para cada atividade), mas o tempo destinado aos festejos é sagrado. Uma festa de casamento, por exemplo, pode durar semanas. Nas comemorações, estão sempre presentes as muxes, vestidas de mulher mas não com roupas comuns. 
Elas usam sempre saias estampadas, flores nos cabelos, batas coloridas, trajes e bijuterias tradicionais da região. 

 A diversidade sexual no México 



Falar sobre diversidade sexual no México é um desafio porque a sociedade mexicana confere ao machismo um peso considerável e estabelece uma linha bem definida entre a homossexualidade masculina e a feminina. 
A cultura patriarcal-católica rechaça, nega ou aceita os gays com grandes reticências (porque não há outro jeito), quando o “problema” acontece dentro de casa. 

Os homossexuais masculinos são chamados por nomes depreciativos como "perras", "jotos", "putos", "mayates", "chichifo”, "maricones", “putarraco”, ”cocuyitos”, ”comemachos”.
Paradoxalmente, um homem manter relações sexuais de forma ativa com outro (um mayate) não é considerado, pela tradição mexicana, prova de homossexualidade. 
Os mayates se casam, são bissexuais, tornam-se pais. 
Os que são etiquetados como passivos são chamados de chotos ou chingados. Ian Lumsden, autor de “Homosexuality, Society and the State in Mexico” (1991) explica que chingar significa “violar ou abusar de” . 

 O substantivo chingón nomeeia o agente da ação e a palavra chingada é a pessoa que é abusada ou violada. Ser lésbica mexicana é como ser portadora de um desvio social feio ou doença e , ao contrário do muxe que tem presença e prestígio, a mulher jamais alcança o mesmo patamar social. As palavras usadas para nomeá-la nguiu em zapoteco ou marimacho, em espanhol, possuem uma conotação altamente depreciativa.                     

Muxes 

 Esta atitude contrasta com a tolerância encontrada em Juchitán, Oaxaca. Ali os homossexuais masculinos são chamados muxe, termo usado para todos os gays na região e que é derivado do vocábulo espanhol, usado no século XVI, para se referir às mulheres.
Na cultura de Oaxaca os muxes (ou mampos) homens que se vestem de mulher e se comportam como mulher, são considerados um amparo na velhice dos pais pois, ao contrário das filhas que se casam e vão embora, eles permanecem em casa. 
O filho muxe preenche o vazio afetivo da mãe, deixado pelo marido ausente ou morto. Considerados como um terceiro sexo, alguns se casam e têm filhos, outros se relacionam com homens.

Como muxes/mulheres herdam a autoridade moral da mãe ou da avó morta e se transformam em elemento agregador e unificador da família.  
Pesquisas de 1974 (sei que são antigas, nunca atualizadas mas as únicas disponíveis para pesquisas) indicam que 6% dos homens da comunidade do Istmo de Zapotec eram muxes. 

Outras comunidades locais também possuem um terceiro sexo, como, por exemplo, os biza’ah de Teotitlan. Marinella Miano Borruso, antropóloga e autora de "Hombre, mujer y muxe en el Istmo de Tehuantepec", analisa a força do matriarcado e a aceitação da comunidade homossexual masculina como “parte da composição da sociedade, valorizada pelas funções que desempenha, pela ajuda financeira que dá à família e o papel que exerce junto à comunidade ao reproduzir elementos culturais da etnia”.                    

As festas muxes 
  
Verdadeiros estilistas, chefs de cuisine e coreógrafos, os muxes desenham e confeccionam os trajes regionais femininos e os acessórios para os cabelos, os vestidos de gala para casamentos, datas religiosas, comemorações de quinze anos e aniversários, os carros alegóricos em papier maché para os desfiles que abrilhantam suas festas, dirigem os bailes e fabricam a comida tradicional das Velas (festivais) de San Antonio, San Jacinto e a Vela Agosto, dedicada `a Imaculada Conceição. 

O prestígio social fez com que os muxes tivessem seu festival próprio: a “Vela de las Auténticas Intrépidas Buscadoras del Peligro”, iniciado nos anos 70, festa popular muito concorrida “sem nenhuma conotação política”, segundo eles. Apesar do prefeito em exercício coroar a Rainha do Festival e do muxe Amaranta Gómez Regalado, 25 anos, natural de Juchitán de Zaragoza ter sido candidato, em 2003, a uma cadeira na Assembléia Estadual de Oaxaca pelo “Partido México Possível”,  

O Istmo de Tehuantepec,
é onde a América do Norte começa a se transformar em América Central.


 Este pequeno pedaço de terra é região estratégica do México pelos recursos naturais, montanhas e florestas tropical, pela importância geopolítica e futura possibilidade de comunicação entre dois oceanos. 
Existe um estudo em andamento desde a época colonial, retomado em diferentes momentos da História e transformado em megaprojeto em 1982 (Megaproyeto del Istmo). 

Por enquanto, a parte acessível do istmo é o lado do Oceano Pacífico, onde vivem os Zapotecas. 
Espero que o surto de modernidade trazido pela globalização faça com que, em algum lugar do futuro próximo, a aceitação da homossexualidade se transforme numa idéia simpática aos mexicanos, como um todo. 

Em Tehuantepec, a existência e aceitação dos muxes foi desvendada para o mundo, através do interessante documentário de Alejandra Islas. Os festejos das ”Intrépidas” inspiraram o Festival da Lua Louca de Oaxaca e o Governo Federal passou a investir em centros comunitários nas comunidades gays em Juchitán.
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Festival da Lua Louca de Oaxaca

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