sábado, 29 de dezembro de 2018

Comunidade transexual na índia se rebela contra lei que petende diminuir estigma










 Getty Images

Imagem: Getty Images


David Asta Alares
da EFE, em Nova Délhi
29/12/2018 08h48
"A comunidade transexual na Índia, que sofre uma notável discriminação social apesar de fazer parte de uma milenar tradição no país, se rebelou contra uma lei que pretende protegê-la e diminuir o estigma.
Quatro anos depois de o Tribunal Supremo reconhecer em uma sentença de 2014 as pessoas que não se enxergam com o sexo com o qual foram assinaladas na hora do nascimento como representantes de um "terceiro gênero", a Câmara dos Deputados aprovou recentemente a Lei de Pessoas Transexuais (Proteção de Direitos) de 2016, que ainda deverá passar pelo Senado."

Continua o texto de David Asta Alares,

"A legislação, apresentada pelo governo para acabar com o estigma da comunidade, é "discriminatória", de acordo com Rudrani Chettri, ativista transexual e fundadora da associação Mitr Trust. "Não parece uma lei de proteção, mas sim uma violação dos nossos direitos como seres humanos. O que mais me chocou foi que vão formar um comitê de revisão que decidirá por nós se somos ou não transexuais", disse Chettri à Agência Efe, em seu escritório em Nova Délhi, repleto de cartazes sobre o tema. O processo administrativo para obter uma carteira de identidade envolve enviar um pedido a um tribunal local e exigir a elaboração de cinco relatórios, entre eles o de um médico, um psicólogo"  
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A seguir,meu texto sobre as Hijras



Hijras- O terceiro sexo na Índia


 


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Atrasada sociedade avançada


500 mil compõem 'terceiro sexo na Índia'. Clãs de 'trans' fazem parte da cultura local que lhes atribui poderes mágicos 

Maior exportadora de programas para computadores e maior produtora mundial de filmes, a Índia possui um código penal que pune a homossexualidade masculina, em seu artigo 377, com pena que vai de dez anos até prisão perpétua.

Em relação às mulheres, a lei é mais 'compreensiva', sendo usada, se necessário, apenas para ameaçá-las.

Ativistas estão lutando no Parlamento para reverter estes procedimentos absurdos, herdados do colonialismo.
As Hijras (eunucos, no dialeto hurdu), homens que se vestem e agem como mulheres, há séculos estão presentes neste contexto social formando - segundo o censo de 1990 - uma comunidade de cerca de 500 mil pessoas.
Operadas
Muitas Hijras não se consideram "verdadeiras" até que aconteça a cerimônia da castração, num ritual proibido, mas protegido pelo grupo por complexo código de silêncio.
Com um terço da área do Brasil, a Índia é um país diversificado em relação às etnias, religiosidade, culturas e linguagens - um caldeirão cultural que abriga mais de um bilhão e cem milhões de almas se comunicando em 15 idiomas nacionais e mais de 1.600 dialetos.

Nem sempre a cultura indiana foi discriminatória em relação às diversidades sexuais. A mitologia está repleta de lendas sobre mudança de sexo: deusas que se transformavam em homens, deuses que se transformavam em mulheres e deuses com atributos ao mesmo tempo femininos e masculinos, como a andrógina Shiva (imagem).
nem homens, nem mulheres
P
ara a sociedade indiana, que enfatiza as maravilhas e bênçãos da reprodução humana, o grande motivo de vergonha não é a homossexualidade, mas a impotência masculina.

As Hijras, descritas como "nem homens, nem mulheres", existem na Índia há séculos. Muitos são homens não castrados, transexuais de homem para mulher das etnias jhanka ou zenana, que não são hijras, mas que aspiram pertencer a esta comunidade.
Outros são homens impotentes, que oferecem sua genitália à deusa Bahuchara Mata para assegurar a virilidade total nas próximas sete encarnações. Usam roupas femininas, adotam nomes de mulher e vivem em pequenos grupos.
Comunidade "socialista"

As Hijras vivem em pequenas comunidades de 5 ou mais "chelas" (discípulas), chefiadas por uma "guru" - geralmente a mais velha do grupo. Quando uma chela se transforma em Hijra, após treinamento nas artes do canto e dança e em outras atividades que possam lhe tornar economicamente ativa, assume o sobrenome e passa a ser um membro da família da guru.

Cada família tem seu código de ética e suas regras de comportamento. Cada chela se compromete a fornecer sua renda à guru, para ajudar a manutenção da "família".
As gurus suprem as chelas com roupas, comidas e uma pequena mesada.
Muitos pais ao perceberam traços de feminilidade em seus filhos, entregam-nos para as casas de Hirjas, para que cresçam em meio a seus 'iguais' e aprendam a ser uma Hirja, destino que acreditam, estar predestinado os efeminados.



Atraso cultural


Com a emancipação em 1947, a Índia iniciou um programa para eliminar as distinções entre castas e passou a oferecer cotas nas universidades para as camadas consideradas inferiores. Os eunucos não se beneficiaram desta política de inclusão social.
Desde o tempo dos mongóis, os eunucos indianos eram usados como guardiães dos haréns reais.

Hijras nas comemorações 

Quando nasce um menino ou acontece um casamento, logo um grupo de Hirjas surge mesmo sem ter sido convidado, para abençoar o bebê ou desejar fertilidade ao noivo.A dança é um tanto provocante e ostensiva e o objetivo é receber logo o pagamento para que os noivos, os pais do bebê e seus convidados não passem pelo constrangimento de assistir uma coreografia erótica levada a extremos.
O pagamento ("badhai") é feito com farinha, arroz, doces, uma roupa (sari) ou dinheiro.

Matérias recentes na imprensa indiana contam que algumas empresas contratam as Hijras para forçar clientes inadimplentes a pagar seus débitos.
Atitudes agressivas contra castrados são consideradas de mau augúrio. Os indianos acreditam que a emasculação confere poderes mágicos e que atrapalhar o ritual das Hijras pode trazer azar. Se os pais do bebê recém-nascido não pagarem, 'elas' rogam pragas à criança.
A moderna sociedade indiana começa a oferecer às Hijras novas formas de sobrevivência: atualmente elas também dançam em festas escolares e despedidas de solteiro.





Parada Gay Indiana
O mais importante evento do calendário das Hijras é o Festival do Koovakan, onde elas exercem livremente seu poder de expressão. É quando se reúnem com amigas e se exibem num palco onde podem ser vistas, ouvidas e aplaudidas.
Representando pequenas peças, podem incorporar seu lado feminino representando papéis de dona de casa, noiva ou deusa.
O
 Koovakan congrega todo o tipo de gente: hijras, homossexuais, bissexuais, heterossexuais, travestis, casais com seus filhos, solteiros, namorados, alunos das escolas próximas, executivos, divorciados. Ali estão todos com o mesmo propósito: trocar experiências em todos os níveis.
Um deslumbrado jornalista australiano conta que "o mais visível é a intensidade da experiência física se contrapondo ao eternamente presente fantasma da espiritualidade".


Cidadania



A
lgumas Hijras já estão envolvidas na política, para tentar reverter sua situação social, buscando maior respeito da comunidade. Algumas conseguiram expressiva votação. Em 2000, Shabnam Musi (foto) foi eleita deputada para Assembléia Legislativa de Madhya Pradesh. A Hijra Kamla Jaan assumiu a prefeitura de Katni e sua correligionária Asha Devi, a de Gorakpur.

O slogan usado pelas Hijras nas campanhas eleitorais é um achado: 
"Não existe solução com os políticos tradicionais, vote nos eunucos"

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Alemanha aprova projeto de lei que reconhece sexo "diverso"

 




 


 Material de divugação por uma terceira opção
"O governo da Alemanha aprovou na quarta-feira  15/8/2018,um projeto de lei para introduzir no registro de nascimento um terceiro sexo, além do masculino e feminino, sob a determinação de “outro” ou “diverso”. Estima-se que na Alemanha há aproximadamente 80 mil intersexuais, algo menos de 1% da população.

A decisão cumpre sentença do Tribunal Constitucional de 2017 que determina a introdução de uma terceira opção no registro de nascimento. A nova lei vai permitir ao registro de pessoas que não pertencem aos sexos masculino e nem feminino.

O porta-voz do governo, Stefen Seibert, informou que o Parlamento deve ainda analisar a lei e acredita que em 2019 entrará em vigor. “É hora de modernizar de uma vez a legislação vigente”, apontou a ministra de Justiça, a social-democrata Katarina Barley.

A mencionada sentença do Tribunal Constitucional argumentava que, de acordo com o direito constitucional à proteção da personalidade, as pessoas que não são nem homens e nem mulheres têm direito a inscrever a identidade de gênero de forma 
“positiva” no registro de nascimento. A decisão é mais um passo para o reconhecimento dos direitos dos intersexuais na Alemanha.

Em 2013 foi aprovada uma reforma legal que permitia aos pais de recém-nascidos que não tivessem que registrar obrigatoriamente dos filhos como homens ou mulheres no registro civil se não podia determinar com clareza o gênero.
 
reforma de 2013, que seguia a recomendação do Comitê Ético Alemão, estabelecia que “se um bebê não pode ser identificado como pertencente ao gênero masculino ou feminino, se deixará sem encher a seção correspondente no registro de nascimento”. O objetivo dessa lei era evitar pressões sobre os pais e que não tivessem que determinar imediatamente depois do nascimento do bebê o sexo deste ou ter de adotar decisões precipitadas."

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Miss Epanha, primeira candidata trans no Miss Universo 2018



  Apesar das tradicionais postagens equivocadas  e maldosas, tipo "Miss Espanha é homem",Angela Ponce  faz História participando do concurso.

É a primeira vez que uma concorrente trans  é escolhida em seu país. A sevilhana,nascida em Tarragona, representou a Espanha  na competição internacional.

"Levar o nome e as cores de Espanha a todo o Universo é o meu grande sonho. O meu objetivo: ser porta-voz de uma mensagem de inclusão, respeito e diversidade, não só para a comunidade LGBTQ+, mas para o mundo inteiro", escreveu a modelo,conhecida ativista , em seu Instagram.

O concurso Miss Universo eliminou, em 2012, a regra que proibia a entrada de pessoas trans, depois da  desclassificação da concorrente canadense Jenna Talackova, que nasceu do sexo masculino, ter provocado indignação no público da competição.

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terça-feira, 13 de novembro de 2018

O galã era gay - 1 - -Montgomery Clift

 

                                          (1920-1966)
Montgomery Clift foi representante do grupo de jovens atores americanos na década de 1950 que personificava  a perda da inocência na geração pós -Segunda Guerra Mundial .  

Levando a sério suas caracterizações,era sério na vida pessoal também.

Mas não teve sorte ao viver naquela época: gay torturado,usou drogas e álcool para escapar da dor da solidão e tentar fugir de seus desejos mais profundos.
Vale lembrar que estava em vigor,naquele momento,o famigerado protocolo de ética hollywoodiana, o Código de Hays.

Vejam trecho do que Monty Clift e tantos mais (os espectadores,principalmente) tinham que suportar  e aceitar sem reclamar durante décadas.

O que este documento-em voga até 1956- trouxe de desgraça,dissimulação e hipocrisia não se pode avaliar ainda.Eu penso que esteve e está plasmado na consciência de muitas gerações.

“O nu completo não é admitido em hipótese alguma. A proibição é também para o nu de perfil e toda visão licenciosa de personagens do filme. 

É igualmente proibido mostrar órgãos genitais de crianças, inclusive de recém nascidos. Orgãos genitais masculinos não devem sobressair. 
Caso um tema histórico exija uma calça justa, a forma característica dos órgãos genitais deve ser suprimida, na medida do possível. Os órgãos genitais da mulher não devem aparecer, nem como sombra, nem como sulco. 
Toda alusão ao sistema capilar, inclusive as axilas, está proibida”.

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Edward Montgomery Clift nasceu em em Omaha , Nebraska, em 17 de outubro de 1920, filho de um rico corretor da Bolsa.
Era  gêmeo de Roberta e  Brooks era o irmão mais velho. 

Foi uma  infância de classe alta,com longas viagens `a Europa que acabou, de repente, com a queda da bolsa em 1929.
Os Clift se mudaram para uma pequena casa em Sarasota,Flórida,onde Monty,como era chamado,descobriu o teatro num grupo de atores adolescentes.

Quando a família se estabeleceu em NovaYork (1935), ele fez um teste para a    produção da Broadway, Fly Away Home. 
Seu desempenho,em 1938,firmou a carreira de ator. 
Ele tinha dezessete anos de idade.





O sucesso na Broadway foi grande e ele logo foiprocurado por executivos de cinema em Hollywood continuou  e  logo se viu cortejado por executivos de cinema de Hollywood. 
Rejeitou uma série de scripts até que, finalmente,fez sua estreia no fime "Rio Vermelho",de Howard Hawks. 

Em seguida,um papel sob a direção de   Fred Zinneman "The Search" ( 1948),lhe trouxe a  primeira de quatro indicações ao Oscar .

Continuou a fazer filmes de sucesso e estabeleceu amizades duradouras, entre elas com a atriz  Elizabeth Taylor.   
Trabalharam juntos em diversos filmes , começando com George Stevens em " A Place in the Sun","Um lugar ao sol" , de George Stevens em 1951 e continuaram amigos até o fim de sua vida.



Clift sempre teve relacionamentos com homens,mas  "namorou" Liz Taylor e outras mulheres para dissimular sua homossexualidade. 

Em meados de 1950, recusou um papel para  "The Rope", "Festim Diabólico",de Alfred Hitchcock,com base num famoso crime. 


A história do filme foi inspirada no caso Leopold-Loeb,em que dois estudantes gays da Universidade de Chicago cometeram um assassinato  de forma bem parecida com a mostrada no filme.

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No início da carreira, ele só bebia moderadamente e conduzia sua vida privada de forma discreta,mas neste momento já era um dependente químico e alcoólatra.
Em 1954, Clift alugou uma casa num resort gay em Wells, Maine, e saiu do armário.  
Os estúdios fizeram tudo,sem sucesso para manter as façanhas de Clift longe da mídia 

O acidente e dias finais

Em 12 de maio de 1956,saindo de uma festa de Liz  Taylor , Clift dirigia seu carro em alta velocidade e colidiu com um poste telefônico. 
O acidente causou cicatrizes e paralisia parcial de seu rosto e afetou sua aparência para o resto de sua vida. 
Continuou a atuar e teve performances incríveis,como-por exemplo- 
"O julgamento Nuremberg", de Stanley Cramer e "The Misfits ""Os desajustados",de  John Huston,ao lado de  Clark Gable e Marilyn Monroe, em 1961.

A atuação era maravilhosa,,mas a vida pessoal estava destroçada 
Nos anos finais , Clift mergulhou  mais fundo nas drogas e no abuso de álcool,tudo isso acrescido de comportamento sexual promíscuo.
Os  chefões dos estúdios perderam a confiança no ainda belo homem. 
Quando foi encontrado morto por um ataque cardíaco pelo  companheiro  Lorenzo James  em 23 de julho de 1966 era, praticamente, um incapaz .
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terça-feira, 6 de novembro de 2018

A 1ª executiva trans do país



 Excelente matéria de Débora Miranda, a seguir.Excluí algumas fotos .

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 "Diretora da área de seguros da KPMG, Danielle Torres fez a transição dentro da empresa e virou referência"

 

Débora Miranda Colaboração para Universa
Mariana Pekin/Universa


Os ternos incomodavam demais. Os assuntos tipicamente masculinos --churrasco, bebida e futebol-- também. Quando Danielle Torres entrou na empresa de consultoria KPMG, em 2005, ela ainda vivia como homem, mas já sentia dificuldade para se encaixar em alguns padrões.

A afirmação de gênero levou cerca de cinco anos para acontecer e, em muitos pedaços, foi sofrida. Danielle se cobrava para ter posturas masculinas porque queria se adequar. Começou a sofrer com crises de ansiedade e pânico e precisou de ajuda psicológica para se descobrir mulher trans.

Assumir-se no ambiente de trabalho não foi um processo simples, apesar de a empresa ter dado amparo e segurança para que ela fizesse a transição --tanto internamente quanto junto aos clientes. Danielle se tornou a primeira executiva  trans do Brasil só no ano passado, quando já ocupava um cargo de direção na KPMG. Atualmente, é sócia-diretora da prática de seguros da companhia.

Aos 35 anos e recém-casada, ela diz que poder viver como mulher aumentou muito sua  produtividade na empresa. Já que não tinha mais que pensar em como se encaixar nos padrões masculinos de comportamento, podia se concentrar apenas no trabalho.
Afirma ainda que no ambiente corporativo nunca enfrentou situações de preconceito abertamente, mas que socialmente os desconfortos são frequentes.
Danielle virou referência para profissionais transgêneros que buscam espaço e afirmação no mercado de trabalho. Dá palestras em empresas quando sua agenda apertada permite e responde a mensagens em suas redes sociais.
Em entrevista à Universa, ela conta como ascendeu na carreira, mesmo enquanto enfrentava dificuldades na vida pessoal, e destaca a recente abertura das empresas ao universo LGBT.



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Quando entrou na KPMG já havia na empresa uma abertura para a diversidade?
A gente está falando de 13 anos atrás, quando o mundo era um lugar bem diferente. Honestamente nunca tinha discutido até aquele momento a questão da diversidade, até porque eu mesma não tinha muita consciência do que era exatamente a minha intimidade.
Sabia que eu tinha comportamentos lidos como femininos, mas eu não sabia os por quês daquilo. Nos meus relacionamentos, eu sempre me envolvi com mulheres.
Algumas pessoas até faziam brincadeiras sobre uma eventual homossexualidade, só que eu simplesmente não sentia que fazia parte desse universo.
Como foi seu caminho profissional?

Aos 18 anos, comecei a trabalhar numa seguradora e fiquei lá por outros quatro. Entrei na KPMG aos 22, recém-formada em administração, e visando a essa área de auditoria de seguros. na época, precisei cursar também contabilidade, porque esse é um pré-requisito para a carreira de auditor.
Subi para o cargo de supervisora e fui transferida para os Estados Unidos. Trabalhei dois anos lá como senior associate, e voltei para cá já promovida a gerente senior.
Depois disso, virei diretora. Foi nesse período que comecei a me assumir.

Como foi o processo de se assumir dentro da empresa?

Eu tinha comportamentos femininos e essa questão começou a pegar porque eu não conseguia mais disfarçar. Tive crises de ansiedade, pânico, e busquei acompanhamento psicológico. Começou a ficar muito evidente que não era só um sentimento, que era algo muito maior.

Quando eu percebi que a afirmação do meu gênero estava relacionada à minha saúde, vi que não teria escolha. As pessoas falam: "Nossa, por que você escolheu esse caminho?". Mas não é uma escolha.

Entendi que eu era transgênero quando já estava ascendendo a um cargo de diretoria. E, óbvio, fiquei pensando: "Assumo ou não assumo?". Decidi que não era o momento de discutir aquilo. Como faria essa comunicação na empresa? Além disso, eu estava num momento de muita experimentação pessoal e vendo o tamanho que era essa questão para mim. 
E quando decidiu finalmente se transformar?
Fui então promovida e, alguns meses depois, houve uma palestra sobre diversidade na empresa.

Vi uma palestra do Ramon  Jubels, que é sócio-líder do pilar Voices do Comitê de Inclusão e Diversidade da KPMG no Brasil.
Ele é homossexual e contou um pouco sobre como foi o processo dele [de se assumir profissionalmente].

A essa altura, eu já tinha certeza de quem eu era. Falei: "Bom, tenho duas opções: ou escondo isso e vivo assim só aos finais de semana --o que não ia dar, porque já estava num ponto em que eu mesma utilizava pronomes femininos para me referir a mim --ou vou ter que encarar a consequência que for.
E decidi seguir por esse caminho. Mas as alterações físicas só começaram a acontecer algum tempo depois.
O processo todo durou mais de cinco anos. Nas minhas primeiras fotos já assumida, apareço com uma barba enorme. Ninguém entendia nada. As pessoas me perguntavam: "Mas como assim? Você se assumiu trans e tem essa barba enorme?".
Mas eu decidi que ia por partes. Eu sou trans, agora vou ver até onde eu vou assimilar o meu próprio corpo.

E como a empresa reagiu?
Tive muita preocupação se eu receberia respaldo. Mas soube que a KPMG estava assinando o pacto do fórum das empresas que apoiam os direitos LGBT, o que me deu tranquilidade.

Vi que o assunto estava sendo discutido em um nível muito alto, que não era algo que eu ia fazer de forma isolada. Depois, formou-se o comitê de diversidade da KPMG.
A empresa me deu todo o apoio, distribuiu comunicados internos dizendo que havia uma pessoa --não me identificaram-- que estava realizando uma transição de gênero
. E aí foi estabelecida a regra do jogo interno, que funcionou muito bem: "Na dúvida, pergunte. Continuou na dúvida, respeite".

Nunca pedi benefícios, sempre fui uma profissional de altíssima performance e continuei sendo.
 Mas sabia que ia precisar de apoio para realizar o meu ciclo. Tive a oportunidade de fazer algumas palestras e de me apresentar.

As pessoas me perguntavam muito sobre aparência, mas eu dizia que isso não era o principal. Meu objetivo não era ser reconhecida como uma mulher transgênero, mas me olhar no espelho e me reconhecer. Depois que me assumi, procurei ao máximo me concentrar no trabalho, pois sabia que ele seria o meu grande alicerce.
Me candidatei para uma vaga em Londres, passei, e foi muito bom para a minha transição. Até que chegou o momento em que eu enfim comecei a aparar a barba e mudar as roupas. Era engraçado, porque o pessoal foi acompanhando tudo isso ao vivo. 




Você sofreu preconceito?
Diretamente, não. Mas não sei o que as pessoas falam, isso não está no meu controle. Agora, é bem importante ter em mente que o preconceito é inerente à pessoa transgênero. Ainda mais porque a gente não tem uma discussão ampla a esse respeito. Eu sofri muito preconceito do ponto de vista social, mesmo tendo um ambiente profissional seguro. Sofri e ainda sofro.
Assumir-se influenciou no seu trabalho?


Certamente! A minha produtividade aumentou muito. Tente imaginar como era difícil para mim ter que me preocupar em usar pronomes masculinos, me segurar para não fazer nenhum gesto mais feminino e prestar atenção na minha voz.
A partir do momento em que eu não precisava mais ter esse tipo de embate comigo mesma, foi bem mais fácil me concentrar no meu trabalho. Comecei até a dormir melhor.

Que erros cometeu na sua carreira e o que aprendeu com eles?
No começo, errei muito por querer que as pessoas tivessem determinadas performances. Tinha muita dificuldade de liderar, respeitar e entender o outro.
Precisei aprender que cada indivíduo tem um valor dentro da equipe. Outro grande aprendizado foi entender que o universo do outro pode ser completamente diferente do meu e mesmo assim, não deixo de ter uma conexão com ele.
Eu sempre trabalhei em ambientes muito masculinos, em que os assuntos giravam em torno de futebol, churrasco e bebidas. Eu sou vegetariana, não bebo e não jogo futebol. Mas aprendi que sempre temos algo em comum com as pessoas.
Demonstrar fraqueza atrapalha?
É importante saber ler os ambientes em que você está inserida. Há lugares que exigem maior retração pessoal e outros mais abertos. A questão pessoal não pode se tornar o limitador ou a desculpa da profissional, mas eu sempre procurei ser o mais transparente possível.
Todos os problemas pessoais que eu enfrentei e que senti que estavam influindo no meu trabalho levei à minha liderança. Nunca enxerguei isso como fragilidade.
Quais são os seus principais feitos como líder?
Eu acho que a minha afirmação de gênero não deixa de ser um feito. Em muitos momentos, me questionei se ainda teria viabilidade depois de me assumir. E o fato de ter tido, sem dúvida, é um feito.
Mas não considero que seja o meu maior e não quero que seja o único. A minha atuação principal é em auditoria de seguradoras no Brasil e sou membro de um grupo global de contratos de seguros que fica sediado em Londres.
Esse grupo se concentra em pesquisas de normas contábeis de seguros. Compartilho conhecimento adquirido por meio das minhas pesquisas, realizo seminários para o mercado brasileiro e também criei um programa de formação executiva em conjunto com nossa área de universidade corporativa, que é a escola de negócios da KPMG. 



Acha que o ambiente corporativo está preparado para receber profissionais transgêneros?
A pauta da diversidade vem ganhando muita força, felizmente. De forma geral, eu acho sim que o mercado está mais preparado para lidar com profissionais transgêneros.
Participo bastante, com o Ramon, de fóruns de discussão de empresas que estão com políticas para pessoas trans e LGBT. E recebo no meu Linkedin muitas mensagens de profissionais que estão se assumindo nas empresas.
Tem dificuldade de conciliar sua vida pessoal e profissional?
É corrido, mas eu consigo administrar bem. Sou recém-casada, então, estou vivendo muito o relacionamento, fazendo passeios e viagens.
Além disso, estudo violão clássico aos finais de semana e gosto de escrever poesias, ir a museus e de ver a Osesp [Orquestra Sinfônica do Estado de são Paulo].

Também vou muito a shows e ao teatro.
Agora, de segunda a sexta-feira, eu não marco nada. Estou 100% disponível para o trabalho. Se der tempo de chegar em casa cedo, que bom."

sábado, 27 de outubro de 2018

João W. Nery, ícone do movimento de homens trans, morre aos 68 anos

 



HISTÓRIA DE LUTA
João tornou-se conhecido como o primeiro homem trans a ser operado no Brasil, a dar entrevistas e palestras em todo o Brasil, por militar em prol dos direitos das pessoas LGBT, sobretudo dos homens trans e transmasculinos, e por escrever quatro livros, sendo o mais conhecido “Viagem Solitária“, que deve virar filme, e outro que ainda vai ser publicado.
Em Viagem Solitária, ele conta todas as pelejas que passou ao ser designado mulher ao nascer, ser reconhecer como homem  e lutar por essa identidade num período de grande repressão e invisibilidade.

Chegou a trocar os documentos de maneira ilegal, dizendo que nunca teve, perdendo automaticamente a formação legal de psicólogo. E até passar por cirurgia no peitoral num tempo em que cirurgiões eram processados.
Apostando na visibilidade para que outros homens trans e transmasculinos se percebam, foi entrevistado por Marília Gabriela, Jô Soares e diversas vezes pelo NLUCON – sendo a primeira entrevista em 2012.

À nós, João falou sobre experiência de infância à velhice, fez reflexões sobre ser homem e declarou não ter vergonha do passado.  “Tudo o que eu vivi contribuiu para o que eu sou hoje. Tudo é válido. Eu adoro a Joana, de verdade, sem ela eu não teria chegado ao João.
Comigo não tem esse negócio de “Vou apagar meu passado”, “Quero esquecer que fui mulher”. Porra nenhuma! Eu acho ótimo. Se eu tivesse nascido em um corpo de homem, talvez tivesse virado um babaca qualquer”.

Foi homenageado e teve o trabalho reconhecido diversas vezes por coletivos trans e LGBT, chegando a dar nome ao PL 5002/2013 – a Lei de Identidade de Gênero, de Jean Wyllys (PSOL) e Érika Kokay (PT).

O projeto visa garantir, dentre outros direitos, que pessoas trans possam fazer a retificação de documentos e sejam respeitadas de acordo com a sua identidade de gênero somente com a autodeterminação. Ela não foi votada e ainda não há previsão. No último ano, foi inspiração de Glória Perez para o personagem Ivan (Carol Duarte) na novela “A Força do Querer”, da TV Globo. Foi o primeiro personagem homem trans da teledramaturgia brasileira.

João continuou militando, resistindo e acreditando nos direitos humanos até o último suspiro.

Nós lamentamos profundamente a sua morte, agradecemos todo o apoio ao nosso trabalho e reconhecemos todo o seu valor e importância na história do nosso país! Deixamos os nossos sinceros sentimentos aos familiares, amigos e fãs.

ISADORA DUNCAN E ELEONORA DUSE.- A amizade virou amor

  Famosas, aclamadas, deusas para seus admiradores, Isadora Duncan - a criadora do ballet moderno e Eleonora Duse - considerada em sua época...