quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A estrada de tijolos amarelos e o Mágico de Oz -Direto do site "CINEMA SECRETO : CINEGNOSE"

As raízes ocultas do filme "O Mágico de Oz"



Por que o filme “O Mágico de Oz” (The Wizard of Oz, 1939) teve um impacto tão duradouro na cultura e comportamento (da música, passando pela moda até chegar no movimento GLBT) após diversas gerações de crianças e adultos? A imagem de Dorothy com seus amigos em uma estrada de tijolos amarelos tornou-se uma complexa associação de simbolismos. Muito do impacto desse filme estaria nas raízes no Ocultismo no livro escrito por Frank Baum “The Wonderful Wizard of Oz” há mais de cem anos. Baum era um reconhecido membro da Sociedade Teosófica de Madame Blavatski e um profundo conhecedor das escolas herméticas e esotéricas.

Ao longo dos anos o filme “O Mágico de Oz” de 1939 transcendeu sua condição de produto cinematográfico para se firmar como um poderoso arquétipo cultural de pelo menos três gerações de crianças e adultos. Lançado simultaneamente com o filme “E o Vento Levou” (“Gone With Wind”), foram consideradas na época duas grandes produções hollywoodianas: a primeira voltada para crianças e a segunda para adultos. Mas a imagem de Dorothy e seus amigos (o Homem de Lata, o Espantalho e o Leão) caminhando em uma estrada de tijolos amarelos tornou-se muito mais complexa em associações e simbolismos do que o romantismo de “E o Vento Levou”.

Há algo de oculto e misterioso em um livro infantil escrito há mais de 100 anos, que resultou na adaptação cinematográfica definitiva em 1939 e que criou um impacto ao longo das décadas em todos os setores da cultura, moda e comportamento. Linhas de diálogo do filme como “Estou derretendo! Estou derretendo!”, “Nunca mais voltaremos para Kansas” aparecem em variados filmes e gêneros como “O Campo dos Sonhos”, “Avatar”, “Matrix” e “Depois de Horas” de Scorsese onde um personagem gritava outra linha de diálogo (“Renda-se Dorothy”) toda vez que tinha um orgasmo.

Elton John com o disco e o hit “Goodbye Yellow Brick Road” de 1971, os sapatos mágicos de cristal de Dorothy em uma óbvia referência para a moda Disco dos anos 1970 e o fato de Judy Garland ter se tornado um ícone gay em um filme repleto de simbolismos para o movimento GLBT. O enigmático filme de ficção científica “Zardoz” de John Boorman cujo título é uma contração dos termos “Wizard” e “Oz”. Isso sem falar na mãe de todos os boatos e teorias conspiratórias sobre o filme: a suposta sincronia entre o disco do Pink Floyd “The Dark Side of the Moon” de 1973 e o timing da edição do filme “O Mágico de Oz”.


O caso do filme “O Mágico de Oz” parece ser mais um exemplo de um
fenômeno sincromístico na cultura (o poder de um produto cultural criar arquétipos ou “formas-pensamento” que repercutem no imaginário da cultura), ainda mais sabendo que o autor do livro de 1900 “The Wonderful Wizard of Oz”, Frank Baum, era um membro da Sociedade Teosófica – organização empenhada em pesquisas sobre ocultismo e o estudo comparativo de religiões baseada principalmente nos ensinamentos de Helena Blavatski. Com o seu livro, consciente ou não, Frank Baum criou uma profunda alegoria dos ensinamentos teosóficos por trás de um inocente conto de fadas para crianças.

Vamos refrescar um pouco a memória sobre o plot do filme. “O Mágico de Oz” acompanha a trajetória de uma menina de doze anos, Dorothy Gale, que vive com a sua família em uma fazenda no Kansas, mas sonha com um lugar melhor “Somewhere Over the Rainbow”. Após ter sido golpeda na cabeça e perder os sentidos no momento em que um tornado levanta sua casa para o céu, ela e seu cão Toto acordam na terra mágica de Oz. Lá a Bruxa Boa do Norte aconselha Dorothy a seguir a estrada de tijolos amarelos para encontrar a Cidade de Esmeralda onde habita o Mágico de Oz que lhe ajudará a retornar a Kansas. No caminho encontra o Espantalho, o Homem de Lata e o Leão que se reúnem na esperança de conseguirem o que acha que lhes falta – respectivamente um cérebro, um coração e coragem. Tudo isso enfrentando a Bruxa Má do Oeste que quer os sapatos de cristal mágicos de Dorothy dados pela Bruxa Boa.

Como um bom teosófico, Frank Baum certamente baseou o argumento dessa busca dos personagens em uma frase Madame Blavatski: “não há perigo que a intrépida coragem não consiga conquistar, não há prova que a pureza imaculada não consiga passar, não há dificuldade que um forte intelecto não consiga superar”. Intelecto, pureza de sentimentos e coragem, três elementos que comporiam a nossa “centelha” interior que nos conecta à Plenitude. E a busca dessa descoberta interior inicia em uma jornada espiritual representada pela estrada de tijolos amarelos.

A Espiral: o início do caminho espiritual


É interessante notar que a estrada começa com uma espiral em expansão, da mesma forma como o tornado conduziu Dorothy a um mundo mágico. No simbolismo oculto a espiral representa a auto-evolução, a alma ascendente, da matéria ao mundo espiritual. Além disso, a espiral partilha de uma complexa simbologia do eixo e da verticalidade. Enquanto forma ela enquadra-se perfeitamente no tema da identidade. Por ser uma forma logarítmica, isto é, por crescer de modo terminal sem modificar a forma total constitui-se no ícone da temporalidade, da permanência, do ser através das mudanças.

Os protagonistas vão encontrar muitos perigos e mudanças na estrada, mas devem descobrir aquilo que lhes é eterno e imutável: coração, inteligência e coragem.

Além disso, a alegoria da “estrada de tijolos amarelos” é uma evidente associação com o termo do Budismo (importante componente dos ensinamentos teosóficos) “Caminho Dourado” como a jornada da alma para a iluminação.

O Mágico/Deus é uma farsa


Assim como no filme “Matrix” onde Neo se decepciona com o aspecto do Oráculo (uma simples dona de casa fazendo biscoitos no fogão) que vai determinar se ele é de fato o Escolhido, da mesma forma em “O Mágico de Oz” o Mágico é desmascarado por Dorothy que descobre ser tudo uma farsa cercado de artifícios e efeitos especiais. Mas, apesar disso, desempenham papeis centrais na jornada espiritual do protagonista.

Em “Matrix” fica evidente que o Oráculo não possuía o dom da profecia, mas trabalha com uma espécie de psicologia reversa: ao dizer para Neo que ele não era o Escolhido sabia que ele faria de tudo para lutar contra esse destino, tornado-se o Salvador que todos esperavam. Com isso o Oráculo inseria o acaso e o livre-arbírio na previsibilidade dos códigos da Matrix.
Os dois eixos que estruturam a narrativa de
"O Mágico de Oz": eixo espiritual
versus eixo material das religiões tradicionais

Em “O Mágico de Oz” todos vão em busca do Mágico (Deus?) para conseguir alguma coisa: voltar para casa, coragem, coração e inteligência. É nessa jornada que descobrirão que tudo isso já está dentro deles. No combate contra a Bruxa Malvada do Oeste demonstrarão todas essas qualidades. Então, quem precisa do Mágico?

A sequência em que Dorothy abre a cortina e encontra quem realmente é o Mágico de Oz (um homem cruel, rude e inseguro que, como um Demiurgo, manipula um sistema que projeta a imagem de um Deus ameaçador em meio a trovões e jatos de fogo) é repleta de significados teosóficos e, principalmente, gnósticos.

Oz corresponde ao Deus das religiões convencionais para manter as massas na escuridão espiritual. Um charlatão que criou dispositivos para assustar as pessoas e fazê-las adorá-lo. Oz certamente seria incapaz de ajudar os protagonistas na sua missão. Na literatura das escolas de mistérios esse é o ponto de vista em relação ao deus pessoal dos cristãos e judeus. E depois de tudo isso, o cérebro, o coração e a coragem foram encontrados em cada um dos protagonistas: as escolas de mistérios ensinam que se deve confiar em si mesmo para se obter a salvação.

E essa voz intuitiva interior de Dorothy é justamente o cãozinho Toto que, ao longo do filme, sempe está certo em seus latidos de advertência a Dorothy. É ele que, com seus latidos, denuncia alguém atrás da cortina controlando os efeitos especiais do charlatão Oz.

E é Toto que ao final late e pula fora do cesto do balão em que Dorothy viajaria com o mágico Oz para retornar a Kansas. É a transformação final e a gnose de Dorothy para a descoberta dos seus poderes internos. O passeio de balão seria a viagem de volta representativa das religiões tradicionais, enquanto fora dele Dorothy encontra a magia e a revelação final da Bruxa Boa do Norte: ela teve que derrotar as bruxas malvadas do Oriente (Leste) e Ocidente (Oeste) – o eixo horizontal do mundo material e das religiões. Ela soube ouvir o eixo vertical (as bruxas boas do Norte e do Sul), a dimensão espiritual.

Dorothy descobre a farsa de Oz por trás
da cortina: Deus é um Demiurgo que impõe
a adoração por meio do medo
E Dorothy consegue a gnose final ao afirmar com convicção para Tia Ema: “Não há lugar melhor do que em nosso lar”, ou seja, tudo que precisamos já está dentro de nós mesmos. Foi necessária toda uma jornada em busca da ilusão do Mágico/Deus/Demiurgo Oz para criar o desencanto e a transformação final dentro de si mesma.

Princípio da Correspondência


Também fica evidente em “O Mágico de Oz” o Princípio da Correspondência da Filosofia Hermética, presentes na Antiguidade tanto na Astronomia como na Alquimia: “O que está em cima é como está em baixo, e o que está em baixo é como está em cima”. Embora as sequências de Kansas e do reino de Oz sejam visualmente opostas (preto e branco versus colorido), são mundo espelhados e invertidos com os mesmos atores fazendo personagens diferentes, mas que, de certa forma, têm uma correspondência espiritual.

O trio de trabalhadores da fazenda de Dorothy formará, mais tarde, o trio de companheiros de jornada da protagonista; e a megera Sra. Gulch será a Bruxa Malvada do Oeste. Gulch na vida real quer retirar Toto (o simbolismo da intuição que levará à iluminação espiritual) dos braços de Doroth para matá-lo, enquanto no mundo de Oz a bruxa quer roubar os sapatos mágicos de Cristal.

Oz é o Plano Astral da humanidade onde estão expressos de forma arquetípica os conflitos e batalhas no mundo físico. Os conflitos e buscas do Homem de Lata, do Leão e do Espantalho correspondem aos mesmos dilemas e personalidades mostradas nas primeiras cenas do trio de trabalhadores nos afazeres do dia-a-dia da fazenda.

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