terça-feira, 1 de outubro de 2013

Papisa Joana - a lenda do Papa que foi mãe

capa do livro de Donna Woolfolk Cross
                 João VIII  ou Joana de Ingelheim


Na metade do século 9, um jovem de origem britânica, professor  no Mosteiro de São Martinho, Itália,  tornado célebre no meio religioso pela erudição, foi reconhecido como  candidato natural para  suceder Leão IV. Em 857, foi proclamado Papa  João VIII.

Roma, 15 de agosto de 858, dia da Ascensão do Senhor. Em um corredor estreito entre o Coliseu e a Igreja de São Clemente, o adorado  Papa João VIII - que nunca saía   do Palácio de Latrão, às margens do Tibre - liderava uma procissão para pedir chuva aos céus  naquele verão terrível, quando começou a se contorcer de dores.
Retirado de imediato de seu trono, dá a  luz a um filho ali mesmo na rua, pouco antes de morrer. Apedrejado pela multidão em  fúria, não poupou o bebê, é arrastado até fora das portas da cidade. O  fato, endossado pelo Concílio de Constancia (1414-1418) e hoje lenda fartamente   documentada - João VIII seria, na verdade, Joana – teria motivado a troca de nome do Arcano 2 do Tarô, de Grande Sacerdotisa para Papisa.

Quem foi a Papisa

 Joana, filha de Gerbert - um evangelista do país dos Anglos (a Inglaterra de hoje) que veio trazer a “boa palavra” aos saxões - nasceu   em 822, próximo a Mayence, então capital da Germânia (atual  Alemanha) cidade  vinícola  na margem esquerda do Reno, que ainda hoje conserva a igreja medieval e

cartaz do filme alemão (2009) sobre a Papisa
os vestígios  de um forte imperial carolíngeo.  
Gerbert, um erudito, tinha grande sabedoria para a época e jamais se separava de sua mala de livros. Assim, Joana desde cedo circulou no universo do saber  e teve a oportunidade de estudar, coisa quase inédita na época, principalmente para as mulheres.
Naquela época, apenas uma carreira eclesiástica permitiria  estudos consistentes. Assim, ela cortou os cabelos, passou a usar um hábito meio unisex  e mergulhou na religião trabalhando como copista dos textos sagrados, com o nome masculino  de Johannes Anglicus (João, o Inglês).
Viajou muito. Fazendo a rota dos monastérios, chegou a Constantinopla onde conheceu a célebre  Imperatriz Theodora e aprendeu medicina com o  Rabino Isaac Israeli.
Na viagem de volta à sua Germânia natal, parou no Regnum Francorum (atual França) que estava sob a regência  de Carlos, o Calvo. Ali conheceu Hincmar de Reims, famoso prelado, freqüentou a Abadia de Saint Germain  des  Près e estudou as escrituras de Hermes  Trismegisto.
A reputação de sábia encaminhou-a a Roma, onde começou a lecionar e veio a conhecer o Papa.
Leão IV, impressionado com sua versatilidade intelectual, decidiu nomeá-la Secretário para Negócios Internacionais, algo semelhante a um Ministro das Relações Exteriores, nos nossos dias.
Tanto conhecimento, prestígio e carisma  tornou-a sucessora natural ao Trono de São Pedro, após a morte de Leão  IV.
Neste ponto, conta a lenda que à morte por linchamento e ao parto em público seguiu-se a instituição  da cadeira 'Sella stercoraria', para confirmar o sexo dos papas.



A 'Sella stercoraria'

O fato inédito do parto de um Papa levou a Igreja a proceder, a partir de então, uma  verificação da virilidade nos  eleitos. Um sacerdote, a serviço do primeiro escalão, examinava os órgãos sexuais ou manualmente ou com o Pontífice sentado numa cadeira aberta na parte de baixo. (teoricamente para prevenir as incontinências urinárias).
Do final do século XI até o século XVI, reza a lenda, existiu uma cadeira de mármore com abertura no assento - a 'Sella stercoraria'. A perfuração era uma fenda de 13,2 cm por 13.7cm. Terminado o exame,o clérigo encarregado exclamava “Duos habet et bene pendentes “ ( Tem dois e bem pendurados).
Para evitar constrangimentos, as procissões  pontificais passaram a fazer um desvio técnico para evitar a  igreja de São Clemente, lugar do parto. 
Foi nomeado na seqüência  um novo  Papa, Benedito III,  e sua ascensão alterada nos anais da Igreja para 855. Além da cadeira, não restou qualquer resquício  do pontificado de Joana.
  

A  Papisa  do Tarô
 

O segundo Arcano Maior do  Tarô é a Papisa, antes  chamada Grande Sacerdotisa. 
A mudança de nomenclatura  está ligada aos rumores sobre a existência da Papisa Joana. A carta exibe a letra hebraica BETH
e é representada pela imagem de uma mulher madura, vestida com trajes de cerimônia. Simboliza  figura materna de grande carisma e saber acumulado.
Nos baralhos modernos, a Papisa remete à  intuição e crescimento espiritual. Nos tarôs clássicos mostra tudo que é escondido: segredos disfarçados que não podem ser revelados.
Nos tarôs Visconti-Sforza, Marselha Convos, Marselha Marteau e Marselha Grimaud, aparece como uma mulher atormentada e grávida que olha para  alguma coisa fora do limite da carta e sua fisionomia é de desagradável surpresa.

No tarô Rider-Waite, o primeiro a usar as figuras dos arcanos menores, a mão direita da Papisa  segura o símbolo da sabedoria - um pergaminho  e  a   esquerda, espigas de trigo - símbolo da generosidade.
A Lua sobre a cabeça da Papisa significa a intuição, seu dom maior.
O gato, símbolo da magia, está a seus pés.
Ela é a mãe cuidadosa e tem o poder fertilizante da mulher ao mesmo tempo. Tudo que semeia dá frutos, embora a colheita - sempre farta - muitas vezes demore para acontecer.

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Viste o site de Paul Éric Blanrue, mestre das histórias de mistério, o Sherlock Holmes do século XXI ,que estudou a lenda da Papisa.
(em francês)
http://www.zetetique.ldh.org/papesse.html
 

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