PIERRE VERGER (1902-1996)
Fotógrafo, etnólogo autodidata e historiador especializado na cultura e religiões africanas.
"No Candomblé se pode ser verdadeiramente como se é e, não, o que a sociedade pretende que o cidadão seja. Para pessoas que têm algo a expressar através do inconsciente, o transe é a possibilidade do inconsciente se mostrar”
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Há pouco tempo, tive a sorte (ou falta dela) de viajar uma fila atrás de um senhorzinho em cadeira de rodas que falava e falava sem se importar se alguém queria ouvir.
Somente ao desembarcar, no aeroporto de Salvador, pude ver a figura e tive muita pena de não ter sido a pessoa sentada ao seu lado.
Porque, à alegria de estar voando entre as nuvens aliviado de sua invalidez, acrescentou histórias interessantíssimas da sociedade, política e cultura da Bahia com franqueza que os (talvez) noventa anos ou mais permitem.
É para o passageiro desconhecido do voo Gol 1535 das 15 horas (e que nunca vai ler) que escrevo agora esta mini-mini-minibiografia de seu ídolo declarado (e meu também), Pierre Verger, o Fatumbi, uma celebridade LGBTQ.
No site da Fundação Pierre Verger, o leitor vai encontrar todas as informações, calendário de exposições, entrevistas, depoimentos, trabalhos universitários e muito mais sobre o querido “mensageiro entre dois mundos”.
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Pierre Edouard Léopold Verger nasceu em 4 de novembro de 1902, numa família da alta burguesia. Sempre na contramão do protocolo rígido do seu meio social nunca pode, no entanto, expressar seus verdadeiros valores.
Interessado em fotografia, decidiu romper depois da morte da mãe (1932), sua última ligação com o passado: com uma mochila e uma Rolleiflex, saiu pelo mundo.
Seguiu para a Córsega,1.500 km a pé, em companhia do fotógrafo Pierre Boucher, seu mestre na arte , com quem fundou (1934), a agência de fotógrafos independentes Alliance Photo.
Durante 15 anos viveu nas ilhas do Pacífico e cada etapa da viagem foi documentada e se constitui hoje um precioso testemunho sobre civilizações que estão quase acabando.
Em seguida, foi para os Estados Unidos, Japão, China (como correspondente de Guerra da revista Americana LIFE), Mali, Filipinas, Nigéria, atravessou o Saara, visitou o Togo, o antigo Daomé (atual Benin), as Antilhas, México, Guatemala, Equador, Peru (organizando material para o Museu Nacional de Lima) e a Argentina, sempre ganhando a vida como fotógrafo.
Dirigiu o Museu da Etnografia, hoje Museu do Homem, em Paris.
Os retornos à França eram apenas uma pausa para reencontrar amigos e preparar o próximo destino.
Verger já era um renomado cidadão do mundo quando, em 1946, ao chegar a Salvador, aconteceu um caso de amor à primeira estadia pela cidade e seus habitantes.
Começou a estudar a história e a cultura dos descendentes de escravos africanos.
Permaneceu fiel enamorado da Bahia e se dedicou a pesquisar os ritos religiosos afro-brasileiros e a influência cultural e econômica do tráfico de escravos.
Em 1948, recebeu bolsa para se aprofundar nos estudos africanos, especialmente os dos Iorubás, etnia que teve grande influência na cultura baiana.
Fez inúmeras viagens entre a Bahia e ao continente africano (Nigéria e Benin, mais especialmente).
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A relação com a cultura negra foi se aprofundando e superou o interesse intelectual. Cada vez mais ligado ao candomblé, tornou-se um iniciado, em 1953.
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Recebeu o nome de Fatumbi (renascido pelo Ifá - ifás são os búzios, as conchas de adivinhação), tornou-se babalaô e nesse patamar passou a ter acesso a todo o patrimônio cultural dos Iorubás, incluindo mitologia e conhecimentos de botânica para fins terapêuticos.
Foi Ogã dos terreiros Opô Afonjá e Opô Aganju.
Responsável pelo toque dos atabaques, o Ogã tem de ser bem preparado e coroado para exercer a função, pois, além de ser médium intuitivo, é um Sacerdote nato, o que nasce com a função de falar por um Orixá, sendo seu instrumento puro.
Convidado pelo Instituto Francês da África Negra para conferências, falou sobre sua vivência naquele continente e expôs suas fotos.
Textos sobre culto de orixás, publicados em 1957, são a porta de entrada para o mundo acadêmico: a Sorbonne lhe confere o título de Doutor Honoris Causa.
E logo a ele, que tinha abandonado os estudos aos 17 anos.
Então colaborador e pesquisador de várias universidades, continuou a vida de cidadão do mundo até o final dos anos 70, quando decidiu se fixar para sempre em Salvador, onde se tornou professor da Universidade Federal da Bahia (1973), responsável pelo estabelecimento do Museu Afro-Brasileiro.
Em 1988, criou a Fundação Pierre Verger, no bairro Vasco da Gama, para preservar e difundir a obra que reuniu em 40 anos de viagens.
A entidade sem fins lucrativos, guarda mais de 63 mil fotografias e negativos tirados até 1973, como também os documentos e correspondência.
Verger morreu durante o sono, que na minha opinião é o fim dos eleitos dos Deuses, em 11 de fevereiro de 1996, na casa-Fundação, pintada com as cores de seu orixá Xangô.
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Algumas Homenagens
Gilberto Gil é o responsável pelo documentário “Mensageiro entre dois mundos”, com roteiro de Marcos Bernstein, que mostra a vida e obra de Verger e onde estão sua última entrevista e depoimentos de pessoas que o conheceram.
Personalidades ou simples anônimos realçam suas qualidades humanas.
Enredo do GRES União da Ilha do Governador, no carnaval do Rio de Janeiro, em 1998. A letra do samba enredo letra fala da Trajetória de Pierre Verger a Fatumbi.
Jérôme Souty publicou um ensaio muito documentado sobre a obra e a vida de Verger : “Pierre Fatumbi Verger. Du regard détaché à la connaissance initiatique”, Paris: Maisonneuve & Larose, 2007 (520p. 144 fotos, em francês).
Em 2009, Salvador recebeu mostra de Pierre Verger, durante o Ano da França no Brasil. Em seguida, a exposição “De um Mundo ao Outro – Pierre Verger nos anos 30” itinerou pelo nosso país.
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Joahbson Borges, último assistente, foi escolhido e apontado pelo próprio Verger como sucessor natural.
Visite o site da Fundação Pierre Verger
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