terça-feira, 12 de agosto de 2014

A história de Sharon Kowalski e Karen Thompson



 Compromisso para toda a vida
    
   
 ****

       
"Assim aos poucos vai sendo levada
A tua Amiga, a tua Amada
E assim de longe ouvirás a cantiga
Da tua Amada, da tua Amiga

Abrem-se os olhos – e é de sombra a estrada
Para chegar-se à Amiga, à Amada!
Fechem-se os olhos – e eis a estrada antiga
E que levaria à Amada, à Amiga.
(se me encontrares novamente, nada te faça esquecer a Amiga, a Amada!).
Se te encontrar, pode ser que eu consiga,
Ser para sempre a Amada Amiga.
E assim aos poucos vai sendo levada
A tua Amiga, a tua Amada!
E talvez apenas uma estrelinha siga
A tua Amada, a tua Amiga.
Para muito longe vai sendo levada,
Desfigurada e transfigurada" 

(trecho de  'Cantar do vero amor’ ,de Cecília Meireles)
                                                   
1976 
 Foi na Saint Cloud State University, Minnesota, que Sharon Kowalski (1956- ) e Karen Thompson (foto, 1947-) pela primeira vez se encontraram, no início do período letivo de 1976. 
sAli funciona um Centro Feminino que estimula serviços comunitários e implementa o ativismo, supera barreiras e apresenta novas oportunidades na vida das mulheres abandonadas, agredidas ou desamparadas.. 

Amparadas pela lei e pelo calor humano são estimuladas a vivenciar novas oportunidades evitando os erros acontecidos no passado.  

Naquele ambiente propício ao entendimento, Karen Thompson dava aulas e tinha como aluna Sharon Kowalski, que escolheu para compor sua grade de matérias duas disciplinas que Karen ensinava. 
Nenhuma das duas tinha passado lésbico. Foram se envolvendo aos poucos - a atração e o afeto surgiram lentamente.                                                                                         

1983  

Na tarde fria de novembro de 1983, já estavam juntas há quatro anos e haviam feito uma cerimônia particular de compromisso. Naqueles dias nem se ouvia falar de pacto civil e direitos dos companheiros mas as duas tiveram o cuidado de fazer seguros,uma beneficiando a outra, 
Sharon visitava a família, no norte do estado e dirigia seu carro, acompanhada dos sobrinhos Missy de 4 anos e Michael de 7, quando um motorista bêbado, vindo do nada, apareceu na estrada e houve a colisão.  
Missy morreu ao ser atendida,ainda no local e Michael se recuperou com algumas seqüelas permanentes. 

Sharon, gravemente ferida, ficou em coma por muitos meses e sobreviveu com sérios problemas cerebrais.Numa primeira avaliação, de acordo com os médicos, com idade mental de uma criança de seis anos. 
Karen telefonou para a conservadora família de Sharon que ao tomar conhecimento do acidente e da seriedade do compromisso das duas, decidiu assumir o controle da vida (vida?) da doente. 
  Karen foi obrigada a recorrer aos tribunais para obter o direito de visitar e cuidar da companheira. Começou, então, uma luta que afetaria para sempre a vida dos envolvidos.                                  

1985 
Em julho de 1985, Donald Kowalski, pai de Sharon, obteve a guarda da filha - então com 27 anos - e providenciou sua remoção para uma instituição distante 400 km da antiga residência das duas. 

E deu ordens drásticas, proibindo qualquer tipo de acesso à doente, apesar dos esforços que Karen fazia, usando, com bastante sucesso, seus conhecimentos profissionais na área de reabilitação motora. 
Ela havia conseguido, por exemplo, aperfeiçoar a comunicação usando máquina de escrever, que passou a ser o único contato de Sharon com o mundo que a cercava. 
Essas mensagens datilografadas evidenciaram que o acidente não tinha afetado a capacidade intelectual de Sharon e que seu desejo era voltar a viver com Karen, que desejava o mesmo. 
Os pais e os tribunais julgaram, mais uma vez, que a doente não tinha condição de decidir sobre seu futuro. 
Nessa instância do processo, o assunto "saiu do armário" e caiu no domínio público.Karen tinha certeza,por sua experiência no Centro Feminino da Universidade, que conseguiria o apoio da comunidade LGBT e dos grupos de apoio a deficientes físicos. Talvez essa força conjunta ajudasse a mudar a decisão judicial. 

Ela batalhou durante oito anos e meio e 300 mil dólares de custos legais - vindos de donativos de homossexuais, advogados, dos shows da cantora Ann Reed. especialistas em recuperação física e de gente comum que se emocionou com o caso. 
Percorreu o país fazendo conferências, apareceu em programas de televisão contando sua história e alertando os casais gays para a necessidade de proteção legal para os seus relacionamentos. 
Duas campanhas foram criadas para arrecadar fundos: camisetas com os slogans "Liberdade para Sharon Kovalski" e "Tragam Sharon de volta".Tudo isso acontecendo e mais o tremendo desgaste emocional e estresse que não podem ser medidos em tempo e cifras.  
             1988 
Em setembro de 1988, Sharon foi submetida a um teste para avaliar sua aptidão e uma nova sessão no novo tribunal julgou que ela realmente era capaz de expressar seus pensamentos e desejos. Seis meses depois, Karen obteve o direito de visitar a companheira a cada 15 dias, nos finais de semana. 
               
1991 
A luta continuou e, em 1991, mais uma ida a tribunal sugeriu que Karen obtivesse a guarda e uma "terceira parte", ligada aos pais de Sharon fizesse a intermediação. 

A persistência venceu e, finalmente, Karen conseguiu levar a companheira para casa. 
A história das duas valentes mulheres foi contada no livro "Porque Sharon Kovalski não pode ir para casa?" (Why Can’t Sharon Kowalski Come Home? Editora Spinsters/Aunt Lute,1988); no filme "Um compromisso para a vida:um retrato de Karen Thompson (Lifetime Commitment: A Portrait of Karen Thompson, dirigido por Kiki Zeldes,1994) e serviu como roteiro para a peça de Rosemary McLaughlin "Standing in the Shadow"s(mais ou menos "Permanecendo em pé em meio a sombras", 2001). 
                                         
                                                2014  
Com todos os avanços que aconteceram em termos de direitos humanos e ativismo durante o espaço de tempo em que se desenrolou a triste história que vocês acabam de ler, são ainda raras as famílias que compreendem que o companheiro(a) de seu filho ou filha gay partilha a vida com ele/ela. 
E, muitas vezes, durante a relação, ajuda a fazer o patrimônio do casal. 

Em caso de morte – primeiro moralmente e, agora que a Lei pode ser usada - deve ter seus direitos assegurados ou, em caso de impedimento por doença - como na história de Karen/Sharon - pode e deve tomar conta do par, se essa for a vontade mútua.  

 Karen pede sempre, em suas palestras,que os casais compostos por homossexuais pensem nisso e lutem pela justiça 

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