sábado, 24 de março de 2012


Marquês de Sade condenado em processo criminal 142 anos após a morte


Escândalo Literário


2011 foi ano rico em retrospectivas, homenagens e comemorações  e marcou os 55 anos da publicação das obras completas do Marques de Sade e de um escândalo tão consistente quanto os que o inspirador do termo “sadismo” protagonizou em vida.
Lançados em 1956, pela editora Jean-Jacques Pauvert, os 24 livros foram imediatamente retirados de circulação e logo instaurado um processo contra o autor - falecido em 1814 - pelo Ministério Público da França.


Até então os textos de Sade não haviam sido reunidos.

O livro “Os crimes de amor” teve um edição em 1800, “Aline e Valcour” duas, em 1793 e 1883, Juliette, La Nouvelle Justine e La Philosophie dans le Boudoir jamais tinham saído da clandestinidade.
“Os 120 dias de Sodoma” saiu em edição limitada, em 1931. Em 1947, só estavam disponíveis em livrarias : Justine, Les Historiettes, Contes et Fabliaux, Zoloé e uma edição muito mixuruca do “Dialogue entre un Prêtre et un moribond”.
O objetivo da edição completa foi disponibilizar o acesso dos intelectuais e apreciadores do Marquês às obras até então reservadas aos colecionadores milionários.
Cada volume da coleção, com prefácio e bibliografia, teve tiragem de 2.000 exemplares e custava 1000 francos antigos.(153,85 euros hoje). Nada de imagens; só texto. Tudo muito discreto e bem comportado.

Proibido permitir




Desde 1947, a Comission du Livre começou a se opor à publicação.
Durante o biênio 1954/55 continuou a censura prévia, sob a alegação que os livros continham “cenas de orgia e descrições de crueldades das mais repugnantes, perversões das mais variadas e com conteúdo intrinsecamente condenável, prejudicial aos bons costumes e atentatórios à moral”
O processo, aberto em 15 de dezembro de 1956, correu na 17ª Delegacia Criminal de Paris.
O julgamento foi marcado para 10 de janeiro do ano seguinte.
O advogado do editor Jean-Jacques Pauvert foi Maurice Garçon, que citou como testemunhas de defesa do falecido Marquês os intelectuais : Jean Paulhan (Editor-chefe da "Nouvelle Revue Française”), André Breton (poeta, escritor, crítico e psiquiatra), Georges Bataille (escritor) e Jean Cocteau ( cineasta, ator, diretor e autor de teatro ).
Foi proibido permitir.

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Traduzi os depoimentos das testemunhas arroladas pelo advogado de defesa e escolhi alguns trechos pra vocês:

Jean Paulhan : ”Escrevi uma tese sobre o Marquês para a Sorbonne. Assim sendo, conheço bem sua obra que me parece importante e histórica.Quase todos os escritores representativos do século 19 se inspiraram nele. Lamartine reconheceu que sem a leitura das obras de Sade, aos 19 anos, não teria escrito seus poemas. O mesmo aconteceu com Baudelaire e muitos filósofos estrangeiros, como Nietzsche”.

Promotor : “Nós nos encontramos diante de uma ferocidade tamanha que destrói tudo, tudo que se refere à honra da família, ao respeito, à moral. E o senhor acha que não há perigo em tornar  público?”
Jean Paulhan : “Doutor, isso é o que foi dito sobre Freud quando se começou a conhecer a ferocidade de Freud”.
Jean Cocteau : (trecho de carta ao Juiz, lida pelo advogado de defesa)
Meretíssimo:
Sade é um filósofo e, à seu modo, um moralizador, atacá-lo seria como atacar Jean Jacques Rousseau, nas “Confissões”.
O menor livro policial da pudibunda América é mais pernicioso que a mais audaciosa página de |Sade”
Ao condená-lo, a França sentirá falta de seu sacerdócio”


Georges Bataille : “O que foi inovação do Marquês de Sade - porque ninguém tinha dito antes - é que o homem pode encontrar satisfação na contemplação da morte e na dor.
Isso pode ser condenável. Mas, se levarmos em conta a realidade, por mais condenável que possa ser esta contemplação, ela sempre teve um papel histórico.
Sade soube desenvolver a causa mais profunda que nos leva a desobedecer a razão. Não podemos esquecer o fato desta desobediência explodir em forma de guerras na História”.

André Breton : “A frase muito citada ”só me dirijo a quem é capaz de me ouvir, esses me lerão sem o menor perigo”, deve ser compreendida ao pé da letra. Sade fala a quem se emocionará, mas não se influenciará a ponto de mudar a maneira de pensar e de agir. Poderiam testemunhar aqui comigo grandes poetas : Lamartine, Pétrus Borel, Baudelaire, Swinburne, Lautréamont, Apollinaire e escritores que chegaram ao âmago da alma humana, como Stendhal, Nietzsche e Barbey d'Aurevilly.”

Trecho da Sentença : ”Como o delito é fundamentado, o editor Pauvert é condenado a pagar 80 mil francos de multa, as custas do processo e ordena-se o confisco imediato e a destruição de toda a obra impressa”

“Surrealista no sadismo”

Donatien Alphonse François de Sade, mais conhecido como Marquês de Sade, nasceu em Paris ( 2 de junho de 1740) numa família da alta aristocracia. Foi uma criança mimada e viveu em várias propriedades da família.
Uma delas em especial – antigo castelo com úmida e apavorante masmorra -deve ter tido grande influência no desenvolvimento de sua psiquê. Estudou em colégios católicos onde era comum a prática da punição física. Alistou-se no Exército, lutou na Guerra dos Sete Anos e em 1763, casou-se, ”por livre e
espontânea pressão”, com Renée-Pélagie de Montreuil, que conheceu dias antes da cerimônia.
Devotada, compreensiva, Renée não conseguiu “segurar” as tendências do marido, que poucos meses depois foi preso por atentado ao pudor nas ruas de Paris.
Passou os últimos 30 anos de vida encarcerado cumprindo pena por todos os motivos que a sexualidade criativa permite, inclusive pornografia pesada e desprezo por valores religiosos e morais.
Perseguido tanto pela monarquia francesa, como pelos revolucionários de 1789 e por Napoleão, só começou a ser tomado a sério, pelos surrealistas, no início do século XX.
Guillaume Appolinaire publicou uma pequena biografia de Sade, que considerava "o espírito mais livre que jamais existiu no mundo”.
André Breton no primeiro "Manifesto do Surrealismo", declarou : 'Sade é surrealista no sadismo".

Richard Freiherr von Krafft-Ebin (1840-1902), o pioneiro da psicanálise que classificou as parafilias (as antigas “perversões sexuais’), incluiu entre elas o sadismo. Este termo médico define o prazer na dor física ou moral do parceiro ou parceiros e teve como  inspiração as obras do Marquês.
O sadismo foi dissecado por Freud e discípulos, entre os quais Melanie Klein, que se ocupou longamente do tema.
Aos 74 anos, em 2 de dezembro de 1814, o Marquês de Sade morreu dormindo - quem diria!- na sua cela do Hospício Charenton. A última das amantes foi a adolescente Magdeleine Leclerc, com quem teve 57 encontros.

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