Gênio da sordidez preclara
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“Bilhete a Baudelaire
Poeta, um pouco à tua maneira
e para distrair o spleen que estou sentindo vir a mim em sua ronda costumeira,
Folheando-te, reencontro a rara delícia de me deparar com tua sordidez preclara
Folheando-te, reencontro a rara delícia de me deparar com tua sordidez preclara
Na velha foto de Carjat que não revia desde o tempo
Em que te lia e te relia a ti, a Verlaine, a Rimbaud”’
Vinícius de Morais
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Num passado mês de abril,uma enciclopédia online norte-americana indicou Charles Baudalaire como aniversariante do mês, passados mais de 150 anos de sua morte.
Soa muito pertinente - ele está mais contemporâneo do que nunca.
Figura central da literatura francesa no século dezenove, poeta simbolista, crítico literário e de artes plásticas, o autor de“Flores do mal” e “O spleen de Paris”, é considerado o inventor do poema em prosa.
Sobre a vida íntima persistem controvérsias: alguns críticos afirmam que era bissexual, outros lembram que a morte pode ter sido devida às complicações da sífilis com que foi contaminado, em 1841, por uma das amantes. E se surpreendem com o fato de, com duas mulheres que julgava superiores intelectualmente,ter tido “relações platônicas”.
Um bom “case” para estudos edipianos.
Além da complicada relação com a prostituta negra Jeanne Duval (atenção no duplo escândalo para a época : prostituta e negra !), era fascinado pelo lesbianismo.
Escreveu um livro de poemas evocando Safo e, mais tarde, foi porta-voz dos protestos contra os movimentos discriminatórios que atingiam as lésbicas, afirmando que “ mesmo os Deuses não ousariam julgar estas
mulheres”
Rebelde com causa
Charles Pierre Baudelaire nasceu em Paris, em 9 de abril de 1821, filho de
Joseph François - um ex padre de 60 anos - professor e pintor que ensinou-lhe as primeiras letras.
Era viúvo quando se casou com Caroline
Archimbaut-Dufays, de 26, vinda de família francesa exilada em Londres, sua mestra para a lingua inglesa.
Havia, ainda, um irmão do primeiro casamento do pai -Claude Alphonse.
Órfão aos seis anos, assiste, revoltado, o casamento da mãe com um vizinho, o Comandante Jacques Aupick, embaixador e senador do Império.
Caroline perde a personalidade, se deixa guiar pelo segundo marido e passa a responsabilidade da criação do menino à babá Mariette, mais tarde homenageada com poemas.
Aos onze anos, quando a família se muda para Lyon, é internado no Ginásio Louis-Le-Grand.
De volta a Paris, termina seus estudos e se matricula na Faculdade de Direito (1840).
Começa a colaborar, anonimamente, para jornais e com Louis Menard, amigo íntimo, aprende os segredos da taxidermia e vivisecação de animais.
Inicia uma relação complicada com uma prostituta judia do Quartier Latin que o contaminou com sífilis e aparece no livro “Flores do mal”’,no poema “Uma noite em que estava com uma horrível judia”
Leva uma vida dissipada e gasta mais tempo com prazeres do que com estudos. Contrai muitas dívidas, leva vida boêmia no Quartier Latin, freqüenta os meios
literários da Rive Gauche e se torna discípulo de Théophile Gautier, a quem dedicará, mais tarde “As flores do Mal”.
O dândi e a outra prostituta
Em 1841, a família, mais uma vez, deseja livrar-se do eterno criador de problemas e o já General Aupick decide que Baudelaire deve embarcar,em Bordeaux, em um navio que partia para a Índia, aos cuidados do capitão.
Aproveitando a confusão dos tripulantes depois de uma tempestade, desembarca na Ilha Bourbon (atual Ilha da Reunião) e volta à França numa jornada de um ano e meio, com muitas escalas.
Nessas viagens aflora a sensibilidade.
O exotismo, o sol, a pureza das pessoas e o céu azul tornam-se temas recorrentes em seus poemas.
De volta, alcançando a maioridade, exige sua parte na herança paterna (cerca de 75 mil francos, uma soma enorme na época) e começa vida de dândi (homem elegante e bem cuidado) : mora nos melhores hotéis, come nos melhores restaurantes e se veste com refinamento.
Acontecem ligações com aventureiras e prostitutas como Jeanne Duval, conhecida como ‘A Venus Negra” atrizinha no Teatro Partenon, com quem vive um relacionamento tumultuado e doloroso.
Apesar da vulgaridade de Jeanne e de suas infidelidades, Baudelaire, o elegante, o refinado, ficaria ligado a esta mulher durante toda sua vida.
A fortuna é dilapidada e a mãe e o padrasto, preocupados, pedem a interdição do perdulário.
Em 1844, fica impedido de gerir seus bens e recebe uma pequena renda mensal de 200 francos.
Daí em diante, a vida passa a ser modesta e o dinheiro gasto com drogas e álcool.
Torna-se crítico de arte e publica “Salão de 1845”, ”Salão de 1846” e “Salão de 1855”, este último trabalho sobre a exposição internacional que acontecia em Paris.
Dois poemas em prosa são publicados “O crepúsculo da noite” e “A solidão”.
Também se interessa pela política no momento da revolução de 1848 e seus artigos republicanos - para irritar o padrasto, agora comandante geral das tropas francesas - logo são dispensados pelos editores.
Descobre a obra de Edgar Allan Poe e traduz seus contos góticos, editados em 1857,ano da morte do odiado General Aupick.
O mesmo tribunal que, anos antes, condenou Flaubert por “Madame Bovary” retirou de circulação todos os exemplares do livro e o poeta foi condenado e preso por imoralidade.
Um bom advogado conseguiu o relaxamento da prisão com a supressão de”Lesbos" e outros poemas transgressores.
Em seguida, são lançados “Paraísos Artificiais”, com o subtítulo “Ópio e Haxixe”, a segunda edição de “Flores do Mal”(enriquecida com mais 35 poemas) e “Pintor da vida Moderna”, ensaio dedicado ao artista plástico Constantin Guys.
Assina crônicas elogiosas apoiando Delacroix, Manet e Henri Daumier, execrados pela crítica.
Em 1864, escreve para o jornal “Figaro” poemas em prosa com o título “Spleen de Paris” e , para fugir dos credores, se refugia na Bélgica.
Neste exílio voluntário com o organismo minado pelo álcool, pela droga e pela doença que o torna afásico e hemiplégico, vive esquecido de todos e só conta com a “concierge” (espécie de porteira do edifício) para lhe dar atenção.
Finalmente, a mãe manda buscá-lo e, em seus braços,
Baudelaire morre em Paris no dia 31 de agosto de 1867.
Suas emanações sutis atravessaram o tempo, espalharam-se pelo mundo e chegaram ao Brasil.
As letras da bossa nova se parecem bastante com Baudelaire quando ele “contraria a visão clássica de poesia trazendo-a para a civilização comercializada e dominada pela técnica”.
Ou seja,para a modernidade.
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