quarta-feira, 8 de março de 2023

Simone de Beauvoir

 Meu tributo neste Dia Internacional da Mulher


 "Não se nasce mulher, torna-se mulher"

  

Simone de Beauvoir
 

Simone e Sartre

 

Eva (ou Lilith no Talmud) que saiu da costela de Adão; Afrodite, eternamante, repassando a fita mágica onde estavam todos os encantos (ternura, desejo e persuasão amorosa) a Hera; Pandora e sua caixa que dissemina os males e repercute a negatividade; Deméter - a eterna mãe; Koré - a eterna jovem e por aí vinham as representações da figura feminina, sempre como origem dos males do mundo.

Até que, muitos séculos passados, lutas de militantes visionárias e avanços sociais e tecnológicos inevitáveis começaram a desconstruir o mito. 

Uma das responsáveis pelo novo enfoque foi a filósofa francesa Simone de Beauvoir ao publicar, em 1949, o ensaio "O Segundo Sexo". 

Largamente difundido nos Estados Unidos - onde foi traduzido em 1953 - tornou-se uma referência do movimento feminista e nos chegou nos famosos dois volumes: um de capa verde e outro vermelha. 

Ao analisar a condição inferior da mulher, mostra que a inferioridade não precisa ser um destino.
Foi a Bíblia de uma geração. Ela mesma, um exemplo do que pregava. 

Bonita, bissexual, elegante, de família de classe alta foi preparada para ser "moça bem comportada" - título de uma de suas obras.

Professora de filosofia e escritora, decidiu viver como pensava. 
Coerente com as idéias de emancipação, Simone e Jean Paul Sartre, mestre e companheiro, assinaram um contrato de convivência de dois anos, renovável, para balizar seu relacionamento: moravam em casas separadas e era proibido mentir. 

Um outro formato de mulher surgiu, desde então.
 


"Não se nasce mulher, torna-se mulher"
 

Simone Lucie Ernestine Marie Bertrand de Beauvoir nasceu em 9 de janeiro de 1908 e decepcionou profundamente os pais que desejavam ter um filho para que o menino idealizado se formasse em Engenharia. 

A irmã caçula, Hélène, foi igualmente mal sucedida no ambiente de casa  por também possuir cromossomos XX (femininos). 

Já que não podiam mudar o destino, Georges e Françoise de Beauvoir, matricularam as filhas em colégio de freiras.
Desde a mais tenra idade, Simone se destacou pelas faculdades intelectuais, disputando ano a ano no Cours Desir (onde estudavam as meninas de boas família) o primeiro lugar com Elisabeth Lacoin, a Zazá de sua autobiografia. 


Na adolescência, já tinha percebido que poderia e deveria ir além da mediocridade e escolheu como meta ser escritora célebre.
A morte de Zazá, melhor amiga, acabou de uma vez por todas com os resquícios de fé. 


Aos 14 anos, segundo as "Memórias de uma moça bem comportada", já se sentia emancipada da vida familiar. 
Era competente em literatura, matemática, latim, grego e filosofia e decidiu se aprofundar nessa última matéria. 

Na Faculdade de Letras da Sorbonne, circulou entre a nata da intelectualidade da época, levada pelas mãos de Jean Paul Sartre de quem foi aluna e, depois, companheira, em uma relação afetiva muito complicada e até hoje discutida nos meios literários. 

Aos 21 anos, era a professora universitária mais jovem de seu tempo.
 

"Respeitar alguém é não forçar sua alma sem consentimento".
 

Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre já haviam trilhado caminhos pioneiros para a época. A relação foi atravessada por mútuos amores paralelos. 

Os de Simone com as alunas Olga Kosakiewitcz e Bianca Lambline e o envolvimento profundo com o escritor americano Nelson Algreen. 
Na política, foi seguidora de Sartre em grande parte das idéias, mas abraçou a emancipação das mulheres como causa pessoal.
Em "A convidada" ("L'invitée) publicado em 1943, Simone descreve a relação dela, Olga e Sartre com personagens imaginários. 


O sucesso foi rápido e a censura oficial, mais ainda. 

Em junho do mesmo ano, depois de uma acusação de "tentativa de perversão de menores", pela mãe de de Nathalie Sorokine - que dividia um quarto com Simone - o livro foi retirado de circulação. 

Trabalhou no jornal de esquerda Libération e na Radio-Vichy, onde produziu programas sobre a música através dos tempos.
Publicou "O segundo sexo", em 1949. 


Esta obra tornou Simone ícone do movimento feminista, nas décadas de 60 e 70. 
Traduzido em 40 idiomas os dois tomos venderam - e ainda vendem - milhões de exemplares. 

Alguns capítulos que expunham a sexualidade feminina escandalizaram a sociedade tradicional e provocaram polêmicas, discussões e cisões entre a intelectualidade mundial.
 

Em 1954 recebeu o Prêmio Goncourt (espécie de Nobel literário francês) por "Os mandarins" e se fixou na posição de "autor francês mais lido no Ocidente". 

É provável que Monsieur de Beauvoir, o pai desiludido por não ter gerado um macho, estivesse certo quando dizia que Simone tinha "cabeça de homem". 

Em "Memórias de uma moça bem-comportada" ("Mémoires d´une jeune fille rangée", 1958), Simone conta a história da decadência da família e a luta para fugir do papel estereotipado da burguesia da época.
 

"Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância."
 


Mantendo a obra pessoal à parte, funda com Sartre, Raymond Aron, Michel Leiris, Maurice Merleau-Ponty, Boris Viane e outros intelectuais de esquerda o jornal Les Temps Modernes. 

Para ter a liberdade de difundir o existencialismo, o comunismo e o ateísmo através da literatura, continua a carreira de escritora e, finalmente, consegue a independência financeira. 

Viajou aos Estados Unidos, Rússia e Cuba e conheceu Che Guevara, Mao Tsé-tung e Richard Wright 
Visitou o Brasil em 1960. 
Entrou para o Index do Vaticano (lista de escritores e obras proibidos pela Igreja Católica Romana).

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Simone de Beauvoir personalidade às vezes criticada, às vezes aplaudida, nunca é ignorada. 

Analisou a condição feminina e estudou mitos, religiões e anatomia. 
Pensou a maternidade, o aborto e a eutanásia. Considerou o casamento uma instituição burguesa preconceituosa e aviltante. 
Começou sua autobiografia em 1958, descrevendo a relação com o companheiro como "totalmente bem sucedida". 

Em 1954, publicou "Une mort très douce", segundo Sartre sua melhor obra, descrevendo a morte da mãe e discordando da manutenção artificial da vida. 

Neste momento de luto, conheceu Sylvie Le Bon, jovem estudante de filosofia e aí começa uma relação estranha: maternal, amigável e amorosa, uma reedição da amizade com Zaza, cinquenta anos depois. 

Sylvie Le Bon foi adotada legalmente e se tornou herdeira de sua obra literária e bens materiais.
 

Com Gisele Halimi fundou o movimento Choisir (Escolher) a favor da opção voluntária pelo aborto e, com Elisabeth Badinter, lutou pelas mulheres torturadas na Argélia. 
Visitava fábricas e instituições procurando reunir operários e dirigentes políticos em busca de soluções para um mundo mais justo.
 

"É horrível assistir à agonia de uma esperança"
 

Sartre morreu em Paris (1980), tendo Simone de Beauvoir a seu lado como foi combinado desde o princípio em cartório. No controvertido texto "A cerimônia do Adeus" ela dissecou sem dó nem piedade, os dez últimos anos da relação do casal, com detalhes médicos. 

Em entrevistas gravadas tenta mostrar a manipulação por parte de Benny Lévy, autor do texto "Testamento de Sartre", que teria se aproveitado da " perda das faculdades mentais e intelectuais" do doente e conta que a filha adotiva dele, Arlette Elkaïm-Sartre, teria tido uma "atitude detestável" no episódio.

O livro termina com a frase: "Sua morte nos separa, Minha morte não mais nos reunirá. Foi bom que nossas vidas tenham se acertado durante tanto tempo".

A morte, que não mais os reuniu, mas colocou seus restos mortais lado a lado no Cemitério de Montparnasse, chegou em 14 de abril de 1986, por câncer no pulmão. 


O funeral foi tão concorrido quanto o de Sartre e a perda sentida por mulheres de todo mundo.

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