- Traduzi este artigo publicado no site do jornal francês Libération e acrescentei algumas notas no rodapé,para melhor compreensão do texto
Diários e anotações revelam juventude ávida de liberdade
por ALICE KAPLAN, historiadora americana
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Susan Sontag, figura importante da intelligensia novaiorquina,sempre foi muito criticada por ficar em cima do muro quando eclodiram os movimentos pelos direitos dos gays.
O filho David Rieff preferiu tomar a iniciativa de mandar editar, sem qualquer restrição, os diários que haviam sido legados à UCLA-Universidade da Califórnia Los Angeles.
O primeiro volume (1947-1963)- que cobre o período da adolescência até a publicação da primeira obra-foi avaliado como surpreendente revelação da vulnerabilidade da personalidade sempre tão segura.
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Susan Sontag, figura importante da intelligensia novaiorquina,sempre foi muito criticada por ficar em cima do muro quando eclodiram os movimentos pelos direitos dos gays.
Conhecida
pelas opiniões firmes sobre a guerra do Vietnan, o 11 de setembro,a
Bósnia,Leni Riefenstahl e Roland Barthes, nada declarou sobre sua vida
privada .
Oito anos após a morte, esta porta se abre.
O filho David Rieff preferiu tomar a iniciativa de mandar editar, sem qualquer restrição, os diários que haviam sido legados à UCLA-Universidade da Califórnia Los Angeles.
Num prefácio sóbrio e emocionante,decidiu expor toda a crueza que eles revelam sobre a personalidade da mãe.
O primeiro volume (1947-1963)- que cobre o período da adolescência até a publicação da primeira obra-foi avaliado como surpreendente revelação da vulnerabilidade da personalidade sempre tão segura.
O
charme desses diários,muito bem traduzidos por Anne Wicke,é mostrar o
papel decisivo que a França teve na vida da então jovem escritora.
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Susan Sontag nasceu Susan Rosenblatt em New York (1933), com o país em plena crise econômica pós crash da Bolsa, .
O pai era comerciante de peles e morreu durante uma viagem à China quando ela tinha 5 anos.
A mãe mudou-se com a família para o Arizona e,depois do segundo casamento com o Capitão Sontag,todos foram para Los Angeles.
Começou a escrever os diários com 14 anos: angústias,resoluções,lista de livros que desejava ler e assuntos que os filhos nunca desejam saber sobre os pais :bloqueios sexuais,pouca higiene e alternância de masoquismo e crueldade.
Precisamos situá-la em 1947, leitora assídua de Gide e de Rilke na North Hollywood High School, em plena era do rock’n roll e dos cinemas drive-in.
Com a mente nos clássicos e os olhos direcionados para a Europa, já estava adiante de seu tempo e de seu meio.
Menina prodígio,os 15 anos, deixou definitivamente a família e se transferiu para a UCLA , depois Berkeley, depois para a Universidade de Chicago e,aos 18 anos, já estava diplomada.
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Durante um verão em Berkeley, conheceu "H" (1),pessoa assim chamada no diário editado.
Nos primeiros textos eufóricos,ela compreende que com "H" podia viver suas paixões sexuais e que não estava condenada apenas a escrever e fazer seu trabalho de bibliotecária.
31 de maio de 1949- "Tudo começa agora,me sinto renascer",escreve Susan.Seu diário fala de noites de bebedeiras, do êxtase da entrega sexual com "H"
A roda viva em que sua vida ia se transformar provocou uma advertência de alguns amigos de San Francisco : ' A única chance de ser normal é parar tudo agora..Mais mulheres.. mais bares..se você não parar imediatamente..."
Tentou experimentar alguns rapazes na Califórnia e notou, com uma mistura de tristeza e preocupação, que a bissexualidade não era possível, ela se conhecia bem.
O golpe teatral ficou registrado numa única linha : "2 de dezembro de 1950- Na noite passada -ou,talvez esta manhã bem cedo,fiquei noiva de Philip Rieff.»
Três meses depois,em Chicago, aconteceu o casamento com seu professor de Sociologia,intelectual judeu com modos bem oxfordianos.
Depois de terminado o casamento,ela assim o definiu; "Era uma pessoa que sangrava emocionalmente".
Tudo que era intenso em Susan Sontag era "pálido e limpo" no marido.
Que diferença entre a feliz declaração sáfica em San Francisco e a união com Rieff em Chicago!
O diário não revela se o casamento foi um meio de ascenção social e nem se ela precisaria de um companheiro masculino para ajudar nos estudos.
Também não explica se a intensidade do compartilhamento intelectual compensava, em parte, a falta da paixão sexual.
Também não conta se era bom ser tão adorada, há apenas esta frase "Eu me caso com Philip com total consciência + o medo do meu desejo de autodrestruição "
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Tamanha concisão poderia surpreender, vinda de uma escritora que se analisa o tempo todo, se bem que -tanto nos diários como na vida- as decisões mais importantes continuam sem explicação.
Enquanto o marido lecionava em Brandels, Sontag preparava deu doutorado em Filosofia em Harvard.
O filho do casal nasceu em 1952, quando ela obteve uma bolsa em Oxford,para continuar os estudos das «pressuposições metafísicas da Ética".
Houve ua negociação com os avós paternos, que cuidaram do menino durante sua ausência.
Aperitivos anisados
Estava na Inglaterra,mas sonhava com a França.
Durante todo o tempo em que seguiu os maravilhosos cursos de J.L. Austin sobre Filosofia da Linguagem,garimpava o catálogo telefônico tentando ganhar entrada para os restaurantes universitários de Paris e encontrar uma listagem das diferentes marcas dos aperitivos de anis.
Enquanto Austin explicava,Sontag preparava sua nova vida: "Um Pernod. Pernod está para a França como Coca Cola para os Estados Unidos"'
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Por que abandonar a Inglaterra e os planos de Doutorado?
Simples: "H" deixou Berkeley e foi para Paris.
Passam o Natal juntas e Sontag fica mais oito meses numa relação intensa no plano sexual, dolorosa e masoquista,no papel da suplicante e sempre escondida e criticada,morrendo de medo de ser abandonada.
O sofrimento parece ter ficado restrito ao espaço do quarto porque, durante este ano parisiense -quando passa pouquíssimo tempo na Sorbonne-,as reflexões culturais no diário se tornam ais profundas e suas análises muito bem embasadas.
1958
Um grande mistério ronda a estadia de Susan Sontag em Paris, no ano de 1958.
Mesmo
sendo levadas em conta a juventude, a obssessão amorosa e sua relativa
ignorância sobre a sociedade francesa, é impressionante como ela, que
se tornou uma crítica feroz da política mundial não enha feito nenhuma
alusão, no diário,ao fato da França estar vivendo naquele momento a um
passo da guerra civil
Fevereiro de 1958
Sontag assiste peças de Pirandello e Brecht, lê Carson McCullers, bebe nos bares Tournon, Monaco e no Deux Magots.
Num
francês rudimentar, constrói listas de expressões por tema (o amor, as
crianças,as discussões nos cafés) que não estão no volume publicado pelo
filho.
Mesmo com um mínimo conhecimento da língua,não poderia ignorar os fatos que se desenrolavam diante dela.
A
alguns passos do quarto de "H" no Boulevard Saint-Germain, o poeta
Allen Ginsberg, morando na rua Gît-le-Cœur, contava nas cartas ao pai as
manifestações, as bombas que explodiam e a polícia nas ruas com suas
sirenes.
Milk Bar.
« Parar de reservar esse diário exclusivamente paraa cronologia de minha história com H! ",escreve no dia 24 de março.Mas não faz nenhuma menção a Djamila Bouhired (2), ao processo que se desenrolava nesse momento e a desta jovem prisão por haver colocado uma bomba no Milk Bar em Alger.
Bouhired, dois anos mais nova que Sontag, igualmente bela com mesmos cabelos negros e ollhar dolorido, estava nas manchetes do Herald Tribune, do France-Soir e do Figaro, apelando à consciência política de todos que a viam.
Expatriados
17 de maio de 1958- A França estava sob lei marcial e a ameaça de uma guerra civil entre partidários da independencia argelina e os anti-independência era o assunto de todoas as conversacões (3).
O Paris Herald Tribune recebeu uma avalanche de chamadas telefônicas de expatriadoe em pânico e os diplomatas examinavam a possibilidade de mandar de volta todos os americanos residentes na França.Na maior parte do tempo ela escreve notas de viagem .Partiu com "H" , no momento mais violento do pânico.
O diário nada revela a este respeito.
«Apreciar uma nova cidade é como apreciar um novo vinho"
Em julho,a futura romancista descreve as pressões exteriores que chegam do marido.:
«P.
me manda cartas cheias de ódio, de desespero e bons conselhos.Ele fala
de meu crime, minha loucura, de minha estupidez e de minha complacência
comigo mesma"
A
correspondência não está nos arquivos da UCLA,mas é pouco provável que
ela tenha podido responder, devido ao momento político conturbado da
Quarta República na França.
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Em outubro, quando uma nova Constituição estabeleceu a Quinta República,Susan Sontag voltou a Nova York,para recuperar a liberdade que Paris lhe tinha negado,.pediu o divórcio e começou uma longa batalha pela guarda do filho.
Por poucos meses perdeu a estreia do filme Les Amants de Louis Malle,contando o escândalo causado por uma mulher que abandona marido e filhos pequenos para viver uma aventura extraconjugal.
Foi
exatamente o seu procedimento,só que o marido havia sido avisado.
Assim como as heroínas da Nouvelle Vague,viveu seu momento mítico em
1958,fora do tempo e do espaço político .
A
força e a debilidade de seus diários de juventude nos fazem vivenciar
aquele distante presente feito de sentimentos extremos e de experiências
individuais.
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Notas
1- "H" (foto)
Harriet Sohmers, depois Zwerling (1928 -) escritora e modelo.
Viveu em Paris nos anos 50, como parte de um grupo de boêmios centrados em torno de James Baldwin, que fundou uma revista chamada Nova História.Em 1959, foi para Nova York e participou da cena literária , enquanto trabalhava como modelo nu para os pintores mais importantes da cidade.
Viveu em Paris nos anos 50, como parte de um grupo de boêmios centrados em torno de James Baldwin, que fundou uma revista chamada Nova História.Em 1959, foi para Nova York e participou da cena literária , enquanto trabalhava como modelo nu para os pintores mais importantes da cidade.
Em 1963, ela se casou com o oficial da marinha mercante e boêmio Louis Zwerling e teve um filho, Milo, músico. Em 2003, saiu uma coleção de seus escritos, "Notas de um modelo nu e outras histórias"
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2 -Djamila Bouhired
Nascida em Argel em 1935, trabalhava como costureira, quando foi recrutada para a guerrilha. Durante os ataques da “Batalha de Argel”, foi ela quem colocou a bomba conhecida por “Milk-Bar” em 30 de Setembro de 1956. Onze pessoas morreram e cinco ficaram feridas na explosão. Na emboscada que se seguiu, Bouhired (foto) foi ferida e presa. Depois de ter sido torturada durante 17 dias, foi considerada culpada de terrorismo e condenada à morte. O seu advogado Jacques Vergès, impediu a execução com uma defesa implacável e combativa. A campanha mediática que ele orquestrou, transformou Djamila numa figura emblemática da resistência anticolonialista em todo o mundo, salvando a sua vida. Após a sua libertação, ela e Vergès casaram. Tiveram dois filhos.
Djamila retirou-se da vida política após a guerra e não teve qualquer papel na construção da Argélia independente.
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3-A guerra da Argélia (1954-1962)
Movimento de luta pela independência da Argélia, então território francês. Caracterizou-se por ataques de guerrilha e atos de violência contra civis - perpetrados tanto pelo exército e colonos franceses (os "pied-noirs") quanto pela Frente de Libertação Nacionall (Front de Libération Nationale - FLN) e outros grupos argelinos pró-independência.
O
governo francês do tempo considerava criminoso ou terrorista todo ato
de violência cometido por argelinos contra franceses, inclusive
militares.
Estima-se que um milhão de muçulmanos e vinte mil franceses morreram na luta.
Estima-se que um milhão de muçulmanos e vinte mil franceses morreram na luta.
Alguns
franceses, como o antigo guerrilheiro antinazista e advogado Jacques
Vergès, compararam a Resistência francesa à ocupação nazi com a
resistência argelina à ocupação francesa.
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Susan em Sevilha, 1958 |
Vivendo um grande amor transgressor e viajando em busca de liberdade e realização, a jovem Susan passou ao largo dos acontecimentos políticos e das mudanças sociais que aconteciam, literalmente, ao alcance de seu olhar.
Futuramente,o lapso seria mais do que preenchido como posicionamento militante.
Como disse Oscar Wilde,"só quem um dia perdeu a cabeça sabe raciocinar"
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