domingo, 2 de novembro de 2014

Bosie, o amor bandido de Oscar Wilde


 


Tentativa de  entender o outro lado da moeda



Muito se tem dito, lido, escrito e ouvido sobre Wilde. 
Casado com a bela irlandesa Constance Mary Lloyd em 1884, teve dois filhos. 
Ousou, rompeu paradigmas, desafiou, perdeu a reputação, enfrentou dificuldades e incompreensões. Banido de sua terra, caiu em desgraça perante seu círculo pessoal e o mundo literário da época. 

Tudo isso e mais uma condenação a dois anos de trabalhos forçados na prisão de Reading pelo "crime" de ser homossexual. 
O escritor foi julgado culpado de "práticas estranhas à natureza" e condenado a dois anos de trabalhos forçados pelo tribunal de Old Baley. Constance e os filhos tiveram que deixar a Inglaterra e trocar o sobrenome maldito por Holland. 

A figura considerada responsável pela desgraça de Wilde, Lord Alfred Douglas, era conhecido como “Bosie”. Uma atração fatal, com cena final das mais patéticas, marcou a ligação apaixonada e provocou conseqüências desastrosas para aqueles dois homens brilhantes, no apagar das luzes do século dezenove. 

Ato 1 - Cena 1 

Lord Alfred Bruce Douglas, terceiro fillho de John Sholto Douglas, Marquês de Queensberry e de Sibyl Montgomery que passou para a História como Bosie, o responsável pela decadência de Oscar Wilde, nasceu em 22/10/1870. 
Para reconstruir sua biografia e tentar, de alguma forma, limpar a barra de Lord Douglas me bastou seguir o roteiro para meninos ricos encontrado em mais de uma centena de biografias já publicadas: pais separados na infância, estudos em colégios e universidades para a classe alta, riqueza, opulência, abandono, solidão, desespero. 
Cena 2 
A apresentação foi feita por um amigo comum e a atração imediata. Bosie não era apenas muito belo. Era poeta de talento, apreciado em seu tempo e que a posteridade tardaria a reconhecer. 
Uma biógrafa diz que Bosie curou-se da depressão crônica - sem perder a indelicadeza e a grosseria - bebendo na fonte a formidável energia de Wilde.
 Oscar, com sua pretensão e ego desmedidos, matou a sede de beleza e juventude na imagem blasée do companheiro. 
Ali, no ambiente universitário, era natural que se encontrassem a beleza angelical de um “um narciso branco e dourado” - como Wilde chamava seu preferido - e o talento multifacetado do outro.

 A truculência do irlandês adorado nos salões londrinos - que ainda não realizara a maior parte de sua obra - e o menino mimado, cheio de vontades que se entediava com tudo, num cansaço precoce. 
A magnitude do encontro - e do desencontro que se seguiu – me remete a uma citação de Walter Benjamin,o filósofo alemão: "Estranho que ainda não se tenha buscado o sósia deste êxtase; o choque com que uma palavra nos deixa perplexos tal qual uma luva esquecida em nosso quarto.

 Do mesmo modo que esse achado nos faz conjecturar sobre a desconhecida que lá esteve, existem palavras ou silêncios que nos fazem pensar na estranha invisível, ou seja, no futuro que se esqueceu junto a nós”. 
Começa uma fase de viagens pela Europa com paradas em restaurantes de luxo e nos bordéis homos de White Chapel, algo que se chamaria hoje “turismo sexual”. 
Os dois compõem a quatro mãos o repertório teatral que foi o deleite dos britânicos daquela época e ainda o é para os de hoje. 

A maioria dos poemas homoeróticos de Lord Alfred Douglas como “The Chameleo”, "Hymn to Physical Beauty", com um toque de Shelley, o soneto "In an Aegean Port" e "Two Loves", onde está a famosa frase “eu sou o amor que ousa dizer o nome” foi escrita entre 1893 e 1896 e publicada em jornais acadêmicos e revistas de pequena circulação”. 

Ato 2 - Cena 1 

Quando Lord Drumlanrig , irmão mais velho de Bosie e herdeiro do título, morreu em acidente de caça circularam rumores de que estaria tendo um affair com o primeiro Ministro Lord Rosebery. 
O pai, revoltado, inicia uma cruzada para, pelo menos, salvar seu filho mais novo de Oscar Wilde. Começa a publicar notas insultuosas nos jornais e, como última tentativa, deixa no clube que ambos freqüentavam um cartão de visitas endereçado a “Oscar Wilde, um afetado sodomita”. 

Com total apoio de Bosie, mas imensa preocupação de seus amigos Robert Ross, Frank Harris e George Bernard Shaw, Wilde processa o nobre. 
Os paparazzi da época, cumprindo ordens do pai, fotografaram o casal na intimidade e muitos garotos de programa foram contratados para afirmar que haviam feito sexo com Wilde. 
Cena 2 
O poema "Two Loves” foi usado no tribunal como prova da promotoria e em 25 de maio de 1895 Wilde - que contestou afirmando que amava com sentimento e que tinha a coragem de dizer o nome - começa a cumprir a pena de prisão com trabalhos forçados, por dois anos. 
Com a saúde e a reputação zeradas, mostra sua criatividade ao escrever o “De Profundis” e o texto anarquista “A alma do homem sob o socialismo”. 
Quando o pai morreu, Lord Douglas optou por não repartir com Wilde a sua parte na herança, reduzida ao mínimo determinado pela Lei. 
Terminada a pena, Bosie vai a Rouen, na França, para retomar a relação sob um clima pesado de conflito, pouco dinheiro e desaprovação social. 

Wilde adota o codinome de Sebastian Melmoth e passa a andar enxovalhado. Morando em um apartamento mínimo, perde a inspiração para escrever e morre em 30 de novembro de 1900, em Paris, vitimado por meningite, alcoolismo e desgosto. 
Ato 3 – Final 

Igualmente afetado pelo escândalo montado pelo pai, Bosie jamais recuperou a saúde física e mental. Poeta tradutor e articulista, conheceu Olive Eleanor Custance, herdeira de fortuna e poeta compreensiva. 

O casamento foi realizado em março de 1902. No mesmo ano, tiveram um filho único, Raymond Wilfred Sholto Douglas, diagnosticado com desordem esquizofrênica e, internado no St. Andrews Hospital, ali ficou até morrer, em 1964. 
Em 1911, convertido ao catolicismo, tentou se distanciar da poesia uraniana (homossexual) e da influência de Wilde. Ironizando “De Profundis”, escreveu seu melhor trabalho, quase um eco: “In Excelsis”, com 17 cantos, onde achava ter atingido a perfeição total como ser humano.

 Durante a 1ª Guerra Mundial, com reputação de bom escritor de sonetos, tornou-se vingativo, litigante e de insuportável convivência. 
Em 1916, processou George Moore por ter escrito um livro onde Jesus Cristo era representado como um homem comum e, em 1918, chamou Wilde de “agente do diabo”. 

Em 1923, acusou Winston Churchill de ter tramado a morte de Lord Kitchener, o que resultou num processo de calúnia e difamação que o enviou a uma prisão por seis meses.
 No fim de seus dias - morreu em 20/3/1945 - quando recebia jovens estudantes do sexo masculino para tomar chá e lhes ensinava a compor sonetos.

Bosie escreveu pequena biografia de Wilde, compreendendo a homossexualidade do ex e atribuindo-lhe o status de gênio 
Pego carona em mais uma citação de Walter Benjamin para encerrar o texto questionando se "a ressonância de acontecimentos que nos atingem como forma de eco não teria sido emitida na escuridão de vidas passadas”.  
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