Conheça a história de Cheryl Chase (foto), intersexual que superou traumas e tornou-se um símbolo
O filme argentino “XXY", da diretora Lucía Puenzo, trata do universo dos portadores da síndrome de Klinefelter, que possuem um cromossomo extra herdado da mãe e tornam-se hermafroditas e estéreis.
Estatísticas recentes mostram que um em cada 3 mil bebês apresenta essa patologia no Brasil. Seria um universo com algo em torno de 56 mil pessoas.
Cheryl Chase recebeu da vida um limão, e dos mais ácidos que se conhece: nasceu hermafrodita. E fez uma caprichada caipirinha: criou, em 1993, a Intersex Society of North America (ISNA), uma fundação jurídica sem fins lucrativos para representar os interesses dessa população, ajudando-a a lidar com a vergonha, tentando desmistificar o segredo envolvido e pregando a não aceitação das cirurgias genitais sem consentimento do paciente.
Em 2000, a ISNA recebeu o Prêmio Internacional Felipa de Souza* para Direitos Humanos de Gays e Lésbicas pela publicação “Hermafroditas com Atitude”.
*Felipa de Souza (1556-1600) foi uma portuguesa lésbica acusada de "práticas nefandas" pelos carrascos do Santo Ofício na Bahia, no século XVI e queimada viva, como era de costume.
Em 2008, a ISNA mudou de rumo: sua líder passou a dedicar a vida a promover a compreensão, bem estar e saúde das pessoas e famílias afetadas pelas desordens de desenvolvimento sexual e a cuidar da interação entre pacientes, parentes e médicos. A idéia inicial foi aprimorada e maximizada.
É um menino? É uma menina?
A criança que nasceu em 14 de agosto de 1956, em New Jersey, surpreendeu os médicos por ter a chamada “genitália ambígua” e ficou resolvido que eles esperariam para decidir o que dizer à mãe, que permaneceu sedada por três dias.
Foi informado o nascimento de um menino, batizado como Brian Sullivan.
Uma cirurgia exploratória, realizada um ano e meio depois, mostrou que a criança tinha útero e testículos e era, na terminologia usada na época, hermafrodita. Foi sugerida uma ablação do clitóris, realizada aos dez anos de idade.
A equipe composta de médicos e psicólogos sugeriu que os pais mudassem de cidade, apagassem os vestígios da existência do menino (incluindo rasgar fotos, etc) e passassem a considerar o fato de que tinham uma filha, agora chamada Bonnie Sullivan.
Os pais, certamente confusos, explicaram muito pouco sobre o procedimento cirúrgico, afirmaram que tudo tinha sido bem sucedido e deixaram claro que ela não deveria falar a ninguém sobre a operação.
Em 2000, Cheryl contou em entrevista à revista Salon: "Eles explicaram coisas que eu não tinha condição de entender e me levaram a um psicólogo que nunca tocou no assunto da intersexualidade, mas ofereceu uma boneca de plástico chamada “A mulher visível, com órgãos no abdome que poderia se transformar numa boneca grávida, talvez como preparação para o matrimônio e a maternidade.”
Criada como uma garota, ao se tornar adulta não conseguia ter orgasmos como as outras mulheres.
Aos 21 anos, na busca de explicação para tal situação, Cheryl teve acesso aos arquivos de seu caso. Descobriu que tinha sido operada, ainda bebê, por causa da ambiguidade genital. Os médicos também lhe extirparam o clitóris só porque era um pouco maior que o “normal”.
Vida no Japão
Cheryl cursou o MIT - com especialização em Matemática - e terminou o curso em 1983. Estudou japonês na Harvard Extension School e fez um curso intensivo no Summer Language. Começou a trabalhar como design gráfica e se mudou para o Japão como estudante visitante na Hiroshima University.
Criou uma empresa de softwares nas proximidades de Tóquio enquanto trabalhava, ao mesmo tempo, como tradutora.
Deprimidíssima, teve um esgotamento nervoso e revelou, naquela mesma entrevista à revista Salon, que pensou até em se suicidar “em frente ao médico que mutilou sua genitália”.
Aos 35 anos, voltou aos Estados Unidos e resolveu esclarecer definitivamente sua situação: buscou pesquisadores, leu trabalhos acadêmicos e começou a juntar pessoas com problemas de indefinição sexual. Retomou seu trabalho como ativista e continuou os estudos de administração.
Os hermafroditas falaram
Em 1993, numa carta ao editor da publicação The Sciences (edição de julho/agosto) comunicou a decisão de fundar a Intersex Society of North America, pedindo que portadores da mesma condição, escrevessem a ela - agora usando o nome Cheryl Chase - para que, juntos, iniciassem o movimento para proteger seus direitos civis e humanos.
Usava também o nome Bo Laurent.Com base nos depoimentos que obteve, fez um documentário cinematográfico de 34 minutos - "Os hermafroditas falam!” - onde pessoas com problemas de identificação sexual discutem o impacto psicológico causado pela sua situação, avaliam o tratamento médico e relatam a reação dos familiares.
Final feliz
Robin Mathias ajudou a formatar a organização como funciona nos dias de hoje. Robin é consultora executiva do FourThought Group Inc, onde cria novas práticas e sistemas na área de saúde. Em seu website, MathiasConsulting.com, ocupa-se das fraudes nos sistemas de saúde e propõe reformas de base para eliminar o problema.
E é membro da Gay and Lesbian Medical Association. O envolvimento com a ISNA transformou a vida desta médica militante, que declara: ”Além das mudanças acontecidas na minha vida pessoal desde que conheci Cheryl, a experiência com o ISNA engrandeceu minha vida profissional e me ensinou como ter visibilidade em minha área de atuação" .
Robin e Cheryl casaram-se no ano passado em San Francisco e vivem em sua fazenda, no Condado de Sonoma, Califórnia.
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