terça-feira, 25 de abril de 2017

Judy Shepard e Zuzu Angel



Duas mães guerreiras que perderam seus meninos.

Texto para o Dia das Mães  2017, data agora sempre centrada em consumir no comércio e que perdeu seu sentido inicial de homenagem carinhosa.


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 Duas mães, dois continentes, duas épocas, dois crimes bárbaros. A mesma dor e uma luta comum : mudar o pano de fundo pintado com as cores da violência, do preconceito e da intolerância.

Judy - imagem da compaixão e da misericórdia.
Mãe do norte-americano Matthew Shepard, assassinado com requintes de crueldade por ser   homossexual. Atualmente,  Judy  dirige a Fundação que leva o nome de Matt.   

Zuzu - símbolo de garra, determinação  e destemor.
Mãe de Stuart Angel ( o seu querido Tuti ), torturado e morto pela repressão durante a ditadura militar. Morta em um misterioso acidente automobilístico no túnel que hoje leva seu nome, no Rio de Janeiro.

“ Transforme o ódio em compreensão, compaixão   e aceitação”.  Judy Shepard


Durante uma viagem ao Marrocos, Matthew Shepard já havia conhecido a imagem do preconceito ao ser  atacado por um grupo de seis homens.

Por isso, a  família decidiu que seria mais prudente que  ele continuasse seus estudos nos Estados Unidos, na  segurança da cidade natal - Laramie - um vilarejo com cerca de 26 mil habitantes.

Depois de ver seu  filho, matriculado no curso de Ciências Políticas da Universidade de Wyoming, Judy Shepard voltou tranquila para casa em Dharam - Arábia Saudita - onde seu marido Dennis trabalhava, como engenheiro de segurança,  em uma empresa de petróleo.

Algumas semanas depois, na terça feira 6 de Outubro de 1998, Judy e Dennis Shepard tiveram que fazer uma  angustiante viagem de volta de quase 30 horas.
Antes da chegada do casal, a mídia americana havia enlouquecido e seu sobrenome  ocupava as manchetes, dividindo espaço com os lances do affair Clinton/Monica Lewinsky.

 Matthew estava  com amigos no Fireside Bar and Lounge quando  foi atraído para uma emboscada por Aaron McKinney e Russell Hendersen. 

Golpeado inúmeras vezes na cabeça com o cabo de um revólver  Magnum 357, queimado, torturado foi abandonado inconsciente pelos agressores encostado em uma cerca, nos arredores de Laramie.
Cerca de 18 horas depois, num  frio congelante  de outono, foi socorrido por um motorista que passava no local. Em depoimento à polícia,  ele declarou que, à primeira vista, pensou que se tratava de um espantalho, tal a deformação causada pelo espancamento.

Morreu cinco dias depois, sem  sair do coma? Motivo do crime? Matthew Shepard era gay.

Judy até hoje não sabe explicar o impacto na mídia, quando tantos crimes hediondos por intolerância sexual acontecem todos os dias. 
Talvez, diz ela, porque Matthew era frágil, bonito, inteligente. Talvez  porque Wyoming é um dos cenários idealizados da imagem tradicional do cowboy, do macho americano.  Talvez pela simbologia da posição em que foi encontrado : braços estendidos como numa crucificação.

O rumoroso processo terminou com pena de morte para os dois assassinos. Mas nada traria Matthew de volta. Judy e o marido intervieram para que a sentença fosse comutada e transformada em prisão perpétua.
 .
A vida de Judy, depois da perda de Matthew, mudou radicalmente. 
Já no funeral pediu que flores fossem substituídas por doações para uma Fundação. 
Decidiu, junto com o marido, lutar por mudanças na legislação para crimes causados por homofobia  e para preservar a  memória de Matthew da forma como ele gostaria de ser lembrado : tornando realidade seus sonhos, crenças e desejos.
Ardorosa defensora dos direitos humanos, viaja 5 meses por ano, fazendo palestras e conferências em Universidades.  

A meta da Fundação Matthew Shepard é educar as pessoas para que substituam o ódio pelas diversidades por compreensão, compaixão e aceitação.
No momento,  a Fundação desenvolve dois projetos : um livro “Out in the Cold” , que conta as dificuldades de gays e lésbicas habitantes de ruas e um vídeo “A face in the Crowd”, sobre comportamento homossexual nos Estados Unidos.

Visite o site da  Matthew Shepard Foundation . http://www.matthewshepard.org

                                
"Eu não tenho coragem, coragem tinha meu filho. Eu tenho legitimidade".  Zuzu Angel

Mineira de Curvelo, Zuleika Angel Jones – a criadora de moda Zuzu Angel - tinha estilo próprio, inspirado na natureza brasileira, nas flores e nos pássaros, e na sua  vida, rica de emoções e de surpresas.
O trabalho, reconhecido internacionalmente, inaugurou uma ponte aérea na moda : sua roupa era exportada e vendida em lojas de departamentos nos Estados Unidos e  atrizes de Hollywood vinham ao Rio encomendar seus vestidos.
 Zuzu era mãe de Hildegarde, Ana Cristina e do professsor, militante do MR-8 e desaparecido político Stuart Angel Jones, 26 anos,  torturado até a morte, na Base Aérea do Galeão.
Nascido na Bahia em 11 de Janeiro de 1946, filho de Zuzu e do norte americano Norman Angel Jones era casado com Sonia Maria Morais Angel Jones, também torturada e morta pela ditadura militar.        
Preso no bairro do Grajaú, zona norte do Rio, em 14 de junho de 1971, foi levado para o Centro de Informações da Aeronáutica (CISA). 

Conforme depoimento de seu amigo e companheiro de guerrilha Alex Polari, Stuart “foi amarrado a um jipe e forçado a inspirar gases tóxicos, com a boca no cano de descarga do veículo”. 
Levado de volta à cela morto, logo depois seu corpo foi retirado  e desapareceu.
A partir daí, o objetivo da vida de Zuzu Angel foi encontrar o corpo do filho e denunciar ao mundo o brutal assassinato.  Passou a se vestir de negro, com a cabeça ornada de flores, muitas cruzes em seu colo e na cintura, imagem do martírio.   

Segundo o  jornalista Zuenir Ventura, ela foi a "precursora das locas de la Plaza de Mayo".
Realizou um desfile no Consulado do Brasil em Nova York, sendo a primeira estilista  na história a criar “moda política”. 

Uma estamparia com anjos negros, anjos feridos, tanques de guerra com flores, manchas vermelhas, pássaros engaiolados, sol atrás das grades foi confeccionada especialmente para denunciar, nas peças de vestuário, o assassinato de Stuart e a ocultação de seu cadáver.

Deixou relatórios sobre a tortura no Brasil na ONU e no Senado norte-americano e os distribuiu para a imprensa internacional.  
Entregou, em mãos, uma carta a Henry Kissinger, na época Secretário de Estado do Governo norte-americano, pois Stuart Angel tinha, também, cidadania americana.
Muitos amigos importantes e celebridades nas artes  em Hollywood abraçaram a causa de Zuzu.   Assim que retornou ao Brasil, começou a receber ameaças e sua loja no Leblon (zona sul do Rio) foi incendiada.  Em documento deixado com Chico Buarque, que compôs em sua homenagem a música "Angélica”,  Zuzu registrava  ”Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.

Provavelmente, prevendo  a proximidade do fim, criou “Once Zuzu, always Zuzu”, uma coleção para distribuição internacional.

Em 14 de abril de 1976, a estilista morreu num acidente de carro. Segundo a versão oficial, ela teria dormido ao volante.   Testemunhas afirmam que havia um jipe do Exército, logo após o acidente, na saída do túnel Dois Irmãos ( hoje, Zuzu Angel).
 O filme “Angel”, de Joaquim Vaz de Carvalho, direção de Sérgio Rezende, conta a saga de Zuzu e Stuart. 



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 De Manuel Bandeira 

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (Recife, 19 de abril de 1886Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1968) foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro

"Acalanto para as mães que perderam seus meninos"

Dorme, dorme, dorme...
Quem te alisa a testa
Não é Malatesta,
Nem Pantagruel,
- O poeta enorme.
Quem te alisa a testa
É aquele que vive
Sempre adolescente
Nos oásis mais frescos
De tua lembrança.

Dorme, ele te nina,
Te nina, te conta
- Sabes como é -,
Te conta a experiência
Do vazio passado,
Das várias idades.
Te oferece a aurora
Do primeiro seio.
Te oferece o esmalte
Do primeiro dente.

A dor passará
Como antigamente
Quando ele chegava.
Dorme... Ele te nina
Como se hoje fosses
A sua menina.

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